Você já se pegou olhando com um fascínio meio inexplicável para uma chama ou fogueira? Uma vontade súbita de colocar a mão? Essa misteriosa atração que o fogo exerce é elevada a outro patamar pelos adeptos do fire play, nome dado às práticas de BDSM que envolvem o uso de fogo, geralmente colocado próximo à pele.
Parece perigoso — e a ideia é justamente ser; os tops e bottoms que curtem esse fetiche gostam de brincar com limites. Afinal, o fogo usado na dominação e submissão é uma atividade classificada como extrema até mesmo dentro do meio fetichista.
Primeiramente: não tente isso em casa. Fire play exige um longo e cuidadoso processo de estudo, ok? Diferentemente de outros fetiches já tratados no blog, evitei aqui dar dicas de como praticar fire play. Isso porque, antes de pensar em realizar façanhas com fogo, você precisa ler, fazer muitos testes de segurança em materiais e na própria pele e, de preferência, frequentar algumas aulas.
Conversei com XofDallas, um top que mora nos Estados Unidos e se denomina da velha guarda do BDSM. Sua jornada com o fire play tem mais de duas décadas e é tão fascinante quanto as fotos de suas cenas, que mostraremos ao longo da matéria.
Se por acaso você não está entendendo o que são algumas palavras deste texto, como top e bottom, sugiro dar uma olhada no nosso Guia Definitivo de BDSM. À primeira vista os termos de BDSM podem soar estranhos, mas é importante usá-los porque correspondem a conceitos bem delimitados pelos praticantes.
O chicote mais quente do Texas
Na minha entrevista com XofDallas, que conheci no Fetlife, ele me contou que viu uma cena de fire play pela primeira vez em 1996, quando tinha 42 anos. O interesse foi imediato, mas demorou dois anos até que ele começasse a dar os primeiros passos na prática. Antes disso, dedicou-se a aprender técnicas com outras pessoas e desenvolver sua própria forma de executar o fire play. Ele me contou porque ama esse fetiche:
É lindo (…) provoca quase todos os sentidos, exceto o paladar, pode ser incrivelmente sensual, é um jogo ‘no limite’ e pode levar uma pessoa para o subspace com relativa facilidade, envolve nudez (muito necessária por razões de segurança) e um certo grau de exibicionismo. E, acredite ou não, se for feito corretamente, há apenas uma quantidade mínima de dor envolvida, se houver. Supera os sentidos.
XofDallas
Durante essas mais de duas décadas, XofDallas vem incendiando a cena local de BDSM nos arredores de Dallas, no Texas. Ele alega que quase todas as pessoas que atualmente praticam fire play na região foram treinadas ele mesmo ou por algum aprendiz dele. Sua especialidade é o fire flogging (açoitamento com fogo).
Sou conhecido como o melhor nesta região dos EUA.
XofDallas
Ele já realizou algumas fantasias que seriam difíceis de acreditar se não tivessem como provas as fotos publicadas em seu perfil. Uma das façanhas é uma suspensão com quatro mulheres de cabeça para baixo nuas e encapuzadas sendo chicoteadas com fogo, que você vê abaixo.
Fire play é perigoso até para o BDSM
O fire play está dentro do guarda-chuva do edgeplay, que compreende fetiches que extrapolam o conceito de SSC (são, seguro e consensual). Brincadeiras que envolvem sangue, asfixia erótica e que despertam medo através de objetos como facas, por exemplo, também são contempladas pelo conceito de edgeplay.
Aliás, vale lembrar que o fire play não tem como proposta causar queimaduras, apenas trabalhar o calor das chamas perto da pele. Claro, cada um é livre para viver a própria sexualidade como quer, mas via de regra a comunidade BDSM adota essa restrição nas sessões. Queimar a pele diretamente é algo impossível de ser feito com o mínimo de controle e segurança.
O barato, segundo os fetichistas, está nas sensações corporais que a mudança de temperatura pode causar, como arrepios e vulnerabilidade. Uma premissa levantada pelos praticantes é que o fire play não dói. Aliás, são grandes as chances de doer menos do que passar gelo no corpo, uma brincadeira sexual que até mesmo pessoas de fora do BDSM fazem.
Em resumo, todos as modalidades envolvendo temperatura são classificadas como temperature play no BDSM. As cenas mais comuns envolvem cera de vela sobre a pele (wax play). Outras possibilidades são a exposição de um bottom ao calor ou a baixas temperaturas como forma de punição.
Como praticar?
Algo super importante de se ter em mente sobre o fire play é que até mesmo adeptos de longa data de outras modalidades do BDSM o consideram perigoso. Vale lembrar que ele deve ser feito apenas com pessoas muito preparadas e após um longo processo de pesquisa e prática em relação ao comportamento das chamas, dos combustíveis, das medidas para apagar o fogo, dentre outros aspectos.
Iniciantes no BDSM, tanto tops, quanto bottoms, devem deixar o fire play para os mais experientes. O processo leva tempo. Na minha conversa com XofDallas, ele deu algumas dicas para quem está interessado em começar a praticar:
Observe. Leia sobre o assunto. Vá para aulas de fire play e exibições. Peça a um praticante experiente que trabalhe com você. Ajude-o ou peça que ele te ajude para ter certeza de que você pode lidar com a prática e que é o que você quer (algo entre 15-25% das pessoas têm medo o suficiente do fogo a ponto de não serem tão rápidas e decididas quanto precisam diante de problemas). Comece devagar, comece de forma muito segura. Pratique. Planeje as coisas com antecedência para minimizar os efeitos de quaisquer erros que você possa cometer e aprenda com cada um deles. Além disso, negocie a cena completamente.
XofDallas
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Como encontrar parceiros de fire play?
A prática de fire play no Brasil é menos difundida do que em países como Estados Unidos. No Fetlife, não localizei nenhuma comunidade sobre o tema em língua portuguesa. De fato, a escassez de adeptos, somada aos riscos envolvidos, pode dificultar a busca de tops, submissos e submissas que queiram estudar e colocar em prática o fire play. Mas nem tudo está perdido.
De acordo com XofDallas, o segredo está em dominar a arte e buscar executá-la quando houver oportunidades em eventos e festas de fetiche que ofereçam ambientes adequados para a prática. Ele diz que uma boa estratégia é deixar que os possíveis interessados se aproximem, permitindo que eles assistam às sessões.
Além disso, se a pessoa começar a se envolver e estudar as medidas de segurança do fire play, pode ser uma boa ideia convidá-la para atuar como spotter, que é uma figura deve estar presente em todas as cenas para observar e atuar rapidamente em possíveis situações de risco.
Eu trabalho com o princípio da atração, em vez da promoção. Além disso, a maioria das pessoas que se tornam parceiras de cena me viram fazer com outra pessoa e acabaram pedindo indicações para os bottoms. Eu nunca insisto ou tento persuadir alguém; em vez disso, eu os deixo assistir (ou talvez atuar como um observador) e decidir por si mesmos. Normalmente, quando faço uma noite de fire play, tenho vários voluntários.
XofDallas
Fire play no Fetlife
A maior rede social de BDSM conta com diversos grupos dedicados ao fire play. O maior deles tem mais de 6 mil membros e é bastante ativo. No entanto, todos os posts são em inglês. Mesmo que você não domine a língua, vale a pena entrar nos grupos e tentar se virar com o Google Translate. Isso porque são escassas as fontes de aprendizado desse fetiche em língua portuguesa.
Evite ler posts com resumos e passo a passo da prática, pois raramente esses textos abordam todos os detalhes essenciais. A vantagem do Fetlife é que é possível tirar dúvidas sobre tópicos bem específicos, ler relatos e encontrar interessados. Inclusive, dentre os posts, há ofertas de aulas online de introdução ao fire play.
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Fire play e aftercare
Aftercare é uma etapa essencial do BDSM. Neste outro texto, falei sobre todos os aspectos envolvidos na responsabilidade emocional necessária para a execução de fetiches. Como XofDallas me explicou, o uso de chamas no corpo do bottom pode levá-lo facilmente ao subspace. Às vezes, o submisso ou masoquista fica tão extasiado pela sessão, que pode entrar em um estado perigoso de alta tolerância à dor.
O fire play pode criar uma enorme descarga de endorfinas, bem como de adrenalina. Ele também pode produzir reações corporais muito semelhantes ao choque. Um cobertor quente (eu uso lã) em caso de necessidade é algo que considero um equipamento obrigatório. Também acredito que tomar uma ducha ou nadar, logo após o término da cena e do aftercare, costuma ser uma boa ideia. Recomendo abraços e acolhimento. Às vezes, quando um o bottom está em subspace, sua consciência se afasta de seu corpo por um tempo. Eu seguro seu corpo e o aninho, mantendo-o protegido até que volte. Também acredito que verificar o bottom mais tarde, no dia seguinte e, às vezes, alguns dias após, seja uma ideia muito boa.
XofDallas
Conclusão sobre Fire play
Descobrir um novo fetiche e ficar com vontade de colocá-lo em prática pode se tornar decepcionante diante tantas recomendações sobre perigos e medidas de segurança. No entanto, o cuidado não deve ser confundido com paranoia. O ideal é converter esses medos em vontade de adquirir conhecimento.
Em outras palavras, fetiches classificados como edgeplays são para nerds que curtem saber tudo sobre um determinado assunto. E que estão decididos a lidar durante anos com seus fetiches, sem encará-los como algo passageiro.
Quem ganha conhecimento sempre ganha! Além disso, estudar a fundo um determinado fetiche, frequentar comunidades e workshops também aumenta suas chances de conseguir colocar suas fantasias em prática.
Enfim, a jornada é longa, mas o fogo é quente. Boa sorte!