A hipnose erótica promete relaxar pessoas submissas para que encarnem melhor seus “papéis” sexuais. Confira a opinião de praticantes e de um psicólogo especialista em hipnose

Primeiramente, o que surge na sua cabeça quando ouve falar de hipnose? Provavelmente é a imagem de um indivíduo meio caricato vestido de terno, dando ordens esdrúxulas a pessoas em programas de televisão. Para os mais jovens é possível que a familiaridade mais forte seja com o youtuber Pyong Lee, que já fez a Kéfera chorar em uma sessão de hipnose. Os mais eruditos vão pensar nas primeiras aventuras de Freud na construção da psicanálise, quando ele substituiu a hipnose pelo método da livre associação. No entanto, poucos sabem da existência da hipnose erótica e aliada ao BDSM.

Hipnose Erótica e BDSM

No Brasil, as safadezas com hipnose ainda estão dando seus primeiros passos. No entanto, na internet é possível encontrar uma boa variedade de materiais em língua inglesa sobre o assunto. Neste vídeo é possível ver “hypno-escravas” recebendo ordens de controle de orgasmos e sugestões sobre serem sensualmente espancadas. O site britânico Hypno-Erotic reúne mulheres dominadoras que vendem áudios de hipnose online para homens submissos.

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Fabio Puentes e a clássica “hipnose de palco”

O que é a hipnose? — e o que ela não é. Os equívocos mais frequentes sobre hipnose envolvem o real estado do hipnotizado e os limites de influência da técnica. Pessoas suscetíveis à hipnose não são necessariamente mais frágeis e nem sempre estão fingindo o transe ou dormindo. Além disso o hipnólogo não pode obrigar o hipnotizado a fazer aquilo o que ele não deseja. Só que isso tudo vale para a hipnose utilizada para fins terapêuticos, tendo em vista que na “hipnose de palco” é comum rolarem trotes e situações vexatórias (quem nunca ficou chocado com pessoas comendo cebolas como se fossem maçãs na TV?).

Este artigo da Unicamp traz uma luz sobre a definição de hipnose clínica:

“Hipnose é um procedimento durante o qual um profissional de saúde ou pesquisador sugere que um cliente, paciente, ou um sujeito experimente mudanças de sensações, percepções, pensamentos e comportamentos. O contexto hipnótico é geralmente estabelecido por um procedimento de indução. Embora haja muitas induções hipnóticas diferentes, a maioria inclui sugestões de relaxamento, calma e bem-estar. Instruções para pensar sobre experiências agradáveis são também comumente incluídas em induções hipnóticas”.

Como funciona a hipnose erótica?

A hipnose erótica aliada ao BDSM também tem suas diretrizes. Dark Freya, uma das dominadoras do site Hypno-Erotic, destaca que aplicar a hipnose no contexto sexual exige muito conhecimento:

Antes de tudo, quem hipnotiza deve saber exatamente o que está fazendo. A hipnose requer qualificação profissional e seu mau uso pode trazer efeitos negativos. Por exemplo, imagine que um hipnólogo, na tentativa de induzir ao relaxamento, sugira que uma pessoa que tem medo de água imagine a si mesma mergulhando dentro de um lago profundo. Isso pode desencadear um ataque de pânico.

Dark Freya já trabalhava com hipnose quando decidiu começar a gravar os áudios eróticos. Seus trunfos hipnóticos são praticamente ilimitados: ela conta que é possível manter um submisso em castidade por um longo período de tempo e depois fazê-lo gozar com apenas uma palavra, ajudar homens que queiram se transformar em crossdressers e até mesmo fazê-los experimentar como é ter um orgasmo “no corpo” de uma mulher apenas com o poder da sugestão. Neste vídeo ela explica como funciona a hipnose erótica e em seu site, é possível comprar áudios contendo cada um desses fetiches.

Como hipnotizar uma pessoa submissa?

Negative é um dominador que após participar de um encontro de hipnose e shibari resolveu aplicar a hipnose erótica nos momentos íntimos com sua parceira. Através de técnicas que rebaixam o senso crítico, ele auxilia sua submissa, a Dandan, a encarnar papéis como lolita e raposa (inseridos nos fetiches de age play e pet play):

A mente consegue fazer tudo o que é imaginável, por mais redundante que isso pareça. Então se a pessoa consegue imaginar um orgasmo mais gostoso, um orgasmo dez vezes mais intenso, isso pode ser alcançado num estalar de dedos. Não vejo com bons olhos usar hipnose erótica em apresentações na rua ou no palco, mas com a minha submissa é uma ferramenta para termos prazer e nos divertirmos.

Ele utiliza uma técnica conhecida como Indução de Elman, que envolve relaxamento muscular, contagem regressiva e sugestões para induzir o hipnotizado a atingir determinado objetivo.

Dominadoras falam sobre hipnose erótica

Sylvy Sinclair é uma dominadora profissional que decidiu inserir a hipnose em suas sessões para tirar a tensão de alguns submissos novatos:

A hipnose não te deixa dormente ou fora de si, ela apenas ajuda no relaxamento completo. Através de um relaxamento físico total, respiração induzida e tranquila e uma contagem regressiva na qual trago à tona sensações e experiências boas, os submissos ficam mais relaxados e menos ansiosos. Alguns conseguem ter um orgasmo profundo e denso, o que me faz muito feliz.

Nefertiti Ishtar, dominadora com dez anos de profissão, usa um método semelhante à indução hipnótica para fazer os escravos entrarem no clima:

Sempre me pareceu natural utilizar pequenos clicks, palavras-chaves e diferentes entonações de voz durante a sessão para melhor conduzir o submisso ou submissa que estivesse me servindo. Tenho uma conversa informal sentada no mesmo nível da pessoa e aí já vou induzindo-a a se desligar de seu cotidiano e se preparar para a entrega que esta prestes a fazer. Utilizar frases que dão “permissão inconsciente” ajudam a deixar a pessoa à vontade, por exemplo: “sei que você teve um dia estressante no escritório, mas agora que você está aqui, já pode respirar aliviado, porque será conduzido e não precisa mais tomar decisões”.

Além de usar as palavras, ela também faz dos objetos seus aliados para estimular o relaxamento:

A coleira é uma das “âncoras” que uso para alterar o estado de consciência da pessoa, então estabeleço uma liturgia para colocá-la. Ela marca o inicio e também o fim da entrega formal, tanto que antes de colocar a coleira a conversa é descontraída e solta, depois tudo muda de figura, é como se abrissem as cortinas e o show começasse. Utilizar indução e sugestão em uma sessão possibilita um controle maior da situação. Um submisso que tem problemas pra se adequar socialmente por timidez, por exemplo, pode se sentir muito mais liberto sendo conduzido.

O hipnotizador que está na posição de dominação deve ter em mente que nem sempre as ferramentas usadas para produzir o transe vão funcionar. Na verdade, ele só acontece se o submisso estiver disposto e em condições físicas e mentais para ser hipnotizado. Para Dark Freya o segredo é a confiança:

Requer muito conhecimento do outro e confiança. Meus ouvintes sempre me perguntam o que eles podem fazer para conseguirem ser hipnotizados. Minha resposta é: não pense sobre o que está acontecendo, basta ouvir minhas palavras. Com alguma prática, a maioria das pessoas aprende como relaxar, muitos precisam de três ou quatro tentativas antes de cair em transe profundo.

Como é ser hipnotizado?

“Hypno-slave” no canal de Aaron no Youtube

Liahna é uma submissa que conheceu a hipnose erótica na internet e desde então não parou de buscar quem pudesse saciar seu fetiche:

Eu frequentava alguns chans (como o 4chan) e me mandaram um arquivo da Isabella Valentine destinado a fazer homens gozarem sem masturbação, então o efeito não foi pleno, mas me levou a um estado de relaxamento muito precioso.

Ela começou a falar com hipnólogos em sessões via Skype, áudio e mensagens de texto essa última categoria não funcionou muito bem para ela. Atualmente ela tem um dominador à distância com quem interage por telefone. Mesmo sem a presença física dele, ela é capaz de ter sensações profundas:

Quando a hipnose é de relaxamento sinto como se houvesse energia pelo meu braço, as pontas dos meus dedos formigam e parece que meu corpo está boiando. Tudo fica mais pesado e mais leve ao mesmo tempo e a posição em que escuto a voz da pessoa parece mudar de lugar no meu crânio.

Tentei ser hipnotizada

A repórter que vos fala tentou ser hipnotizada através deste vídeo.

Foi impossível não lembrar das minhas aventuras com ASMR erótico. Sentei em uma poltrona confortável, coloquei fones de ouvido e dei o play. Nos primeiros minutos tive dificuldade em me desligar dos ruídos externos, mas conforme fui ouvindo as ordens para soltar os músculos e respirar profundamente comecei a sentir o mesmo formigamento nas mãos e mesma sensação de estar boiando relatada por Liahna. Quando os comandos da narradora mudaram de relaxantes para sensuais comecei a sentir tesão e um leve estranhamento por estar ouvindo uma história voltada para homens. Não cheguei ao orgasmo sem me tocar, mas dá para dizer que foi uma viagem, no mínimo, gostosinha.

Enquanto eu continuo meio indiferente sobre a hipnose erótica, Liahna a enxerga como um ponto de mudança importante em sua sexualidade:

Eu achava que era assexual. Eu não tinha interesse, não ficava mesmo com tesão por nada nem ninguém e eu estava super de boa com isso. Hoje em dia basta saber que vou chegar em casa e entrar em transe que já fico excitada. Eu redescobri um tipo de sexualidade que não sei se consigo nem quero tirar da minha vida, o que causaria um grande problema em potenciais relacionamentos futuros que não tenham BDSM e hipnose.

Hipnose profunda e mente humana ainda mais

Conversei também com Holderlover, que há 13 anos foi hipnotizado pela primeira vez e não quis mais parar:

Eu gostaria de ser profundamente programado a ponto de obedecer a comandos remotos, como mensagens ou mesmo ligações com ordens curtas de hipnose, enfim, ter o comportamento modificado para servir melhor. Tenho consciência de que não dá para hipnotizar alguém que não quer ser hipnotizado, mas assim como um relacionamento pode ser prejudicial e manipulativo, sessões prolongadas com uma hipnotista mal-intencionada podem terminar com o submisso revelando coisas que não gostaria de ter dito ou mesmo cometendo ações que, embora sutis, podem causar transtornos futuros.

Liahna revela que já alcançou estados de transe que poderiam assustar um iniciante:

As sessões mais recompensadoras são aquelas em que o hypnodom consegue respostas físicas, como por exemplo me imobilizar, ou fazer com que eu seja incapacitada de dizer não. Na primeira vez em que tive esse tipo de resposta, não só perdi total controle do meu corpo como senti choques. Eu reagia a eles como se eu realmente estivesse sendo eletrocutada, mesmo sabendo que não estava acontecendo nada. Gosto da ideia de ter programações profundas e imediatas que estão fora do meu acesso, sob controle de outra pessoa. Uma vez tentaram me fazer latir sempre que alguém falasse meu nome errado (vivem me chamando por um nome parecido com o meu, mas não exatamente ele). Caio sempre no mesmo dilema: não sei se estou obedecendo, porque obedecer me excita ou se é porque estou sob real influência de algo que eu não poderia evitar.

Hipnose não é brincadeira

Diante de revelações que envolvem aspectos tão essenciais sobre consentimento, decidi conversar com André Percia, psicólogo especializado em hipnose. Ele recomenda que quem estiver interessado em hipnotizar alguém deve estudar e fazer um bom curso de hipnose online ou presencial:

Não é difícil colocar uma pessoa em transe com truques de hipnose de palco. No entanto, o efeito psicológico de sugestões erradas, da manipulação e do uso indevido da hipnose podem trazer uma série de problemas psicológicos e emocionais para as pessoas. Eu vejo uma incoerência: se a pessoa submissa deseja fazer algo, mas não consegue é porque tem uma parte dela que não quer fazer aquilo, logo, pode ser perigoso o parceiro forçar. Pode gerar confusão psicológica e emocional.

Dark Freya ressalta que qualquer pessoa que busque a hipnose, inclusive quem consome online, deve se certificar se o hipnólogo é qualificado e se aquele material contém apenas sugestões que ela realmente quer para si:

Sei da existência de dominadoras que colocam sugestões escondidas nos áudios para fazer com que o ouvinte compre mais gravações. Uma dica é ouvir previamente de forma consciente o áudio, sem se deixar levar. Isso não afetará a eficácia posterior do material.

Para André, um dos grandes empecilhos da hipnose no contexto das relações BDSM está na mistura de papéis que a prática envolve:

Qualquer terapia preferencialmente deve ser feita por uma pessoa neutra do ponto de vista clínico. Fazer hipnose em parceiros sexuais e afetivos é misturar o pessoal com o profissional. Na minha opinião o casal deve procurar um hipnoterapeuta, aí sim a hipnose será usada para que a pessoa se abra mais para aquilo o que ela deseja.


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