Eu estava despretensiosamente rolando o feed do Instagram quando me deparei com a impressionante imagem de um homem deitado coberto por uma veste de Superman completamente feita de um material parecido com parafina derretida. Demorei para entender que era isso mesmo: gota por gota, o corpo de um submisso foi preenchido como uma tela em branco, até ganhar uma pintura em cores super vivas. A arte com cera de vela é uma das modalidades do wax play, uma prática de BDSM, e pode ser traduzido por algo como “brincadeira com cera”. Até então eu só conhecia as brincadeiras fetichistas mais básicas do wax, que envolvem deixar a cera pingar e escorrer pelo corpo.
Em busca de saber mais sobre a arte com cera de vela, fui stalkear o perfil da Rainha Regys, a dominadora por trás de algumas das imagens que estão ao longo da matéria. Nesse trajeto, encontrei um ensaio fotográfico que a tatuadora Bruna Safeco realizou com a fotógrafa Ana Di Castro usando técnicas de wax play. Eu conversei com a Bruna para entender um pouco mais sobre seu processo artístico.
Também bati um papo com a Vivi Escarlate, a artesã que fabrica velas específicas para realizar sessões de wax play artístico.
A senhora das velas
Rainha Regys é uma experiente dominadora versada em práticas diversas do BDSM, como shibari, needle play e até tortura genital. Em uma década de prática, já dominou diversos homens e mulheres. No entanto, sua trajetória nos fetiches não começou de uma forma muito tranquila:
A arte com cera de vela, assim como as imobilizações mais básicas e os chicotes tipo floggers, por não serem práticas dentre as mais dolorosas, costumam ser utilizadas por muita gente fora do BDSM. Para Regys, as velas também foram uma espécie de “porta de entrada”:
Processo de criação
O caminho que Regys percorreu para descobrir formas de saciar o prazer por provocar dor sempre foi permeado pelo conhecimento técnico, essencial para a prática de fetiches e ferramenta da qual ela não abre mão:
Inspiração para as obras
Dentre as técnicas que Regys aceitou revelar estão a aplicação tradicional, de pingar a cera, a condução da cera com faca e “cera sobre cera”. Mas de onde surgem as ideias de obras como a veste de Superman, um risonho Coringa ou uma coruja? Regys explica que a criação da arte com cera de vela durante as sessões, que já chegaram a durar 2h30, é conjunta:
A cera de vela, quando aplicada de maneira uniforme em áreas extensas, vai formando grandes placas, é a elas que Regys se refere sobre ao prazer de retirar. É comum que os adeptos utilizem espátulas, facas ou punhais com ou sem corte para retirar a cera do corpo, o que é mais uma possibilidade de subir um degrau na dominação exercida sobre o bottom.
Uma chama no buraco negro
Bruna Safeco é a mulher por trás de impressionantes retratos artísticos com cera de vela sobre o rosto, ombro, colo e mãos. Junto com a fotógrafa Ana Di Castro, Bruna deu vida a um desenho que fez inspirado na foto de um buraco negro:
Ela pratica BDSM há cerca de sete anos e conhece a fundo o uso de velas. A aplicação no rosto para o ensaio foi feita de forma a deixar a cera bem distante dos olhos, sempre mantidos fechados e protegidos com as mãos. Já o restante da cor preta, mais perto do olho, foi feito com edição de imagem. O resultado é encantador e instigante.
Casa de ferreiro, velas de parafina
Vivi Escarlate é um nome promissor na fabricação e venda de insumos para adeptos da arte com cera de vela. Ela produz as velas queridinhas da Rainha Regys e também as que foram usadas no ensaio de Bruna Safeco. Seus produtos prometem atingir uma temperatura segura para aplicar sobre a pele, mas ainda assim se manterem interessantes para o BDSM. Além das cores vivas, que não desbotam ao serem aplicadas.
Ela resolveu que se mudar de Maceió para São Paulo em busca de viver mais intensamente o estilo de vida fetichista. Atualmente, Vivi tem um relacionamento totalmente baseado no BDSM, no qual ela pertence ao mesmo Dominador há quase quatro anos e afirma ter se encontrado “como mulher e como pessoa”. Profundo, né?
Bons materiais para arte com cera de vela
Mas vamos à vaca fria: afinal, como Vivi chegou na fórmula perfeita para produzir velas populares no meio de wax play artístico? O controle de qualidade, Vivi, que é submissa e alérgica, garante testando na própria pele. Aliás, eu descobri que esse processo é bem mais complexo do que eu imaginava:
Vivi usa parafina, manteiga vegetal e extrato de óleos vegetais nas suas velas. Ela conta que está sempre fazendo testes para aprimorar a qualidade e criar novas cores. Um cuidado: velas com glitter são especialmente perigosas, Vivi chegou a testar, mas não foi adiante com a ideia porque as partículas causaram queimaduras.
Ou seja, nada de comprar velas em lojas comuns e sair usando na pele. O ideal é procurar fabricantes especializados em velas para BDSM ou, em última hipótese, velas para massagem ou velas de sex shop, que não esquentam muito por conter mais emolientes na composição.
Cuidados com o wax play
O wax play pode ser feito de diversas formas; algumas delas são praticamente indolores, mas tudo depende do ponto de fusão da vela utilizada, da distância de gotejamento em relação à pele e da combinação de outras práticas, como spanking, antes ou depois da sessão. Quem recebe a cera quente pode sentir desde um calorzinho na região aplicada até uma leve queimadura.
Vale lembrar que assim como expliquei nas reportagens sobre fireplay e pirossexualidade, é importante que queimaduras reais estejam fora de cogitação, porque a situação pode fugir facilmente do controle, causando febre e lesões na pele.
Checklist para praticar wax play
Em uma live no Instagram, Rainha Regys e Vivi Escarlate deram várias dicas de segurança, algumas delas reproduzo aqui:
- Primeiramente, uma boa preparação de wax play envolve pingar a cera cerca de 25 a 30 minutos antes da sessão na mão ou parte interna do braço, que são locais mais sensíveis, e observar se há reação adversa;
- Ao preparar a sessão, é importante não deixar cabelos soltos no caminho das chamas, colocar as velas em locais estáveis e longe de objetos inflamáveis. Além de limpar a pele para evitar que hidratantes e outros produtos reajam com a cera;
- Uma boa distância para aplicar a cera é de 1,5 m, mas ela pode ser e regulada de acordo com a preferência do bottom;
- Aliás, cuidado ao praticar spanking ou outros fetiches que envolvem dor antes da sessão de wax, isso pode deixar o bottom mais sensível;
- Não pingar em mucosas, por exemplo dentro da vagina e da boca;
- Geralmente velas de cores mais escuras são mais quentes do que velas de cores claras;
- Após a sessão, pode ser uma boa ideia tomar banho para ajudar a acalmar a região que recebeu a cera;
- Queimaduras podem ser causadas se o pavio ou a base de metal da vela caírem na pele. Se ocorrer, deve-se retirar o mais rápido possível e lavar a pele com água fria. Em caso de bolhas, procurar um médico.
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