KillPornStar é uma marca que no próprio nome já reflete sobre os problemas da pornografia. Porém sem tentar educar, seus filmes desviantes provocam os alicerces mais resistentes da pornografia mainstream.


Assista agora ao filme Fita Libertina e confira todos os vídeos dessa dupla hardcore.


Desde o início de 2020 eles possuem um canal aqui na Xplastic, então resolvemos entrevistá-los de forma menos superficial.

A entrevista foi realizada por email, entre Junho e Julho de 2020.


Problemas da pornografia como atração

XP: Muitos são os problemas da pornografia ou que pelo menos são apresentados assim, mesmo assim vocês acreditam que a pornografia ainda tem poder de deixar as pessoas milionárias ou vira só mais um hype de desajustado?

KP: Nós acreditamos que quem está no pornô hoje é porque gosta, aprecia trabalhar com o sexo, o erotismo, o corpo. Achamos inclusive que é necessário pensar a pornografia para além desses dois caminhos (grana fácil e refúgio outsider), pois ambos contribuem para mistificá-la. A pornografia representa apenas mais um gênero de cinema, subordinado como qualquer outra esfera de trabalho à dinâmica do modo de produção capitalista. Nem trampolim para “grana fácil”, nem “gueto de desajustados”.

A pornografia é uma esfera como qualquer outra no campo do trabalho. Muitos insistem com um discurso de que a pornografia é uma linguagem que contribui para a violência e a cultura do estupro. Tal observação é cínica ou no mínimo ingênua. A pornografia está sujeita as mesmas tensões e conflitos como qualquer outra área dentro da sociedade capitalista. Os que atacam a pornografia afirmam que ela promove a exploração do corpo, que gera danos psicológicos. No entanto, esses mesmos “críticos” da pornografia fazem vista grossa sobre os danos e violência promovidos dentro de outras formas de trabalho fora do pornô.

Não vemos aqueles que se levantam com entusiasmo furioso contra a pornografia se manifestarem contra também as condições de trabalho precarizada de garotas que são exploradas em empresas de callcenter, supermercados, lojas, serviços, por exemplo.  A pornografia não inventou a violência e exploração. O modo de produção capitalista, sim, é firmado na violência e exploração da mão-de-obra. 

A pornografia não inventou a violência e exploração. O modo de produção capitalista, sim, é firmado na violência e exploração da mão-de-obra. 

XP: Vocês têm algum tipo de ganho secundário como felicidade, respeito social e essas coisas fazendo pornografia? Ou só ficam com os problemas da pornografia e ganham um pouco de dinheiro?

KP: Amamos trabalhar com o pornô!!!! E essa é a razão fundamental de estarmos fazendo parte da cena. Temos retorno financeiro suficiente para vivermos. Sobre respeito social, isso praticamente não existe. Quem trabalha com a pornografia continua sendo bastante marginalizado. No entanto, foi uma escolha nossa bater de frente com esse preconceito, não se deixar abalar. Procuramos estabelecer a nossa linguagem dentro do pornô, usar o pornô como uma ferramenta de expressão. E poder se expressar, independente de ser aceito ou não, é algo que não tem preço…

Assista Espéculo e Colar de Pérolas xXx

Poder se expressar, independente de ser aceito ou não, é algo que não tem preço…

XP: Quais são as inspirações estéticas de vocês?

KP: Há muita coisa legal dentro do pornô, diretores como Eon McKai, Maria Beatty, Bruce LaBruce, Courtney Trouble, Vex Ashley… No entanto, nossa inspiração está em tudo que experimentamos culturalmente, seja através da literatura, cinema, fotografia, poesia, música…. Tudo acaba entrando na construção da nossa linguagem. Nosso cotidiano, nossas experiências ordinárias, nossos fantasmas, medos, delírios,  acabam sendo uma fonte infinita de inspiração.

XP:  Vocês acham que é possível que todos performers, homens e mulheres, gozem sempre em todos os vídeos?

KP: Este também é outro aspecto que é supervalorizado quando o tema é pornô. Para nós, o pornô é um gênero de cinema como qualquer outro. Logo, o papel do pornô é a construção de ficções. Virginie Despentes escreve, em seu “Teoria King Kong”, “Com muita frequência exigimos que o pornô seja a imagem do real, como se não se tratasse mais de cinema (…) O pornô deveria dizer a verdade, uma coisa que não exigimos nunca do cinema (convencional); técnica de ilusão por essência”. Cobramos um certo discurso sobre a verdade do pornô que cinicamente não exigimos de outras formas de expressão e arte.

Cobramos um certo discurso sobre a verdade do pornô que cinicamente não exigimos de outras formas de expressão e arte.

Óbvio que o gozo é uma consequência natural quando as pessoas estão se sentindo à vontade e se divertindo naquilo que estão fazendo. Nós nos divertimos  muito trabalhando com pornografia. Essa deveria ser a regra para qualquer modalidade de trabalho. Há uma super preocupação do público sobre o prazer dentro  do pornô: “será que ele ou ela está sentindo prazer ou está fingindo?”. O mais engraçado disso é que esse julgamento parte de pessoas que não problematizam o seu próprio lugar de trabalho….elas não se questionam se o seu trabalho, no seu cotidiano, está sendo divertido, prazeroso ou na maioria das vezes mortificante.

Independente se você trabalha num escritório, banco, numa empresa, no comércio,  se é engenheiro, arquiteto, médico, jornalista ou advogado, já parou para pensar se o seu trabalho exercido gera prazer além da sobrevivência? Há um silêncio sobre isso… Voltando ao lugar do gozo, acreditamos que o erótico envolve uma complexa trama de peças, em que o orgasmo se encaixa como mais uma, não anulando a experiência das demais peças em jogo. Portanto, é preciso ver o gozo como uma possibilidade e não como um imperativo.

O pornô “mainstream” construiu uma representação grosseira desse gozo como um imperativo, uma obrigação

O pornô “mainstream” construiu uma representação grosseira desse gozo como um imperativo, uma obrigação: a imagem do caralho, viril, duro, esguichando porra, e o orgasmo feminino subordinado, num plano secundário, a esse momento do gozo masculino. Uma das consequências negativas desse tipo de representação é bastante óbvia: se você não consegue gozar, então você falhou, você é visto como um homem impotente ou uma mulher frígida. Entende o problema? Devemos pensar nossa sexualidade dessa forma? No entanto, isso não quer dizer que devemos acabar com a pornografia. Isso reforça sim a responsabilidade moral que ela deve assumir no sentido de construir representações & ficções sobre o sexo como um dispositivo libertário e não opressor. 

Assista Amarrada, Amordaçada e FODIDA xXx

Matando os problemas da pornografia

XP: O nome KillPornStars vêm do desejo de matar a glamurização das grandes estrelas pornôs ou não têm nada a ver?

KP: O nome tem sim essa intenção lúdica e sarcástica de “assassinar” o hype. Nós curtimos uma linguagem estética bem suja. Acho que a gente ocupa na cena uma posição similar a que o punk rock ocupa dentro da música, e gostamos disso, de construir o nosso pornô, com nossa linguagem tosca. A gente faz cinema e fotografia bem de guerrilha, por opção mesmo.

Assista Fisting e Plug Atolado no Cuzinho

XP: Faz quanto tempo que cada um de vocês desenvolve trabalhos pornográficos? Teve algum trabalho mais marcante?

KP: Eu (Alexandre) já atuo a um certo tempo na cena. Participei de outros coletivos no final dos 90 e início dos 2000. A Bia está trabalhando na cena desde 2018. Alguns filmes são uma amostra perfeita da linguagem do KillPornStars, como VÊNUS EM GLITTER, DOLLS, EDEN, BOUND UP, FITA LIBERTINA, SHOOT e o VIDA  A LA DIABLE.


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XP: O que na opinião de vocês um vídeo pornô precisa ter, além de sexo, para chamar a atenção do público e fazer com que queiram voltar?

A gente não curte aquele pornô que era feito em mansões, carrões, iates, porque aquilo não tem qualquer relação com a nossa realidade.

KP: Antes nós havíamos afirmado que o pornô é uma peça de ficção como qualquer outro gênero de filme dentro do cinema. No entanto, essa ficção está assentada nas experiências que temos no real. Logo, algo que consideramos fundamental é quando o pornô estabelece um nexo de empatia com o espectador. A gente não curte aquele pornô que era feito em mansões, carrões, iates, porque aquilo não tem qualquer relação com a nossa realidade. Não apenas o contexto,  mas também em relação aos biotipos clássicos dos performers semelhantes a bonecas e bonecos barbies.

A gente curte aquele pornô cuja fantasia de certa forma retrata o que vivenciamos no dia-a-dia, com personagens e contextos que qualquer garoto ou garota suburbana está acostumada a experimentar na sua realidade. É quando a loucura mostrada pelo filme faz o espectador pensar “eu já vivenciei essa situação louca”, ou “isso já aconteceu comigo e esse dia foi louco”. Além desse elo de identificação, nós acreditamos que também é legal encontrar no pornô elementos que escapam das formas convencionais de narrativa do cinema. Sabe aquele filme que te surpreende, mesmo em se tratando de uma ficção simples, pela maneira inovadora de contar. Seria um pouco como o filme “Clímax”, do diretor Gaspar Noé, que embora a ‘história’ seja bem simples, o modo de contá-la é extremamente insana…

Assista Milk Bitch xXx

Assista Large Sausage xXx

XP: Muita gente diz que a pornografia é a cartilha do homem, onde muitos aprendem a transar, e que isso muitas vezes pode dar bem ruim. O que vocês pensam sobre isso?

A figura do machista, sexista existe desde muito antes do cinema pornô. Podem acabar com o pornô, mas não conseguirão extinguir o problema

KP: Em primeiro lugar, não existe uma pornografia, mas MUITAS PORNOGRAFIAS. Não existe apenas uma linguagem do pornô. A maioria dos críticos do pornô incorre nessa generalização grosseira de falar no pornô negligenciando o fato de que ele não é uma coisa única, sólida, homogênea. Existem diversos tipos de pornô, e cada tipo tem suas especificidades e sua própria história. O pornô não é uma coisa homogênea, mas um grande campo de luta, de tensões de força e relações de poder.

Vem surgindo de maneira expressiva um pornô construído por mulheres, gays, lésbicas, trans e demais grupos socialmente marginalizados, que subverte relações de poder e dominação de gênero. Como havia sido colocado anteriormente, o pornô, como qualquer outra esfera reflete os conflitos e tensões da sociedade mais ampla, no caso a sociedade capitalista. O pornô não criou o machista. A figura do machista, sexista existe desde muito antes do cinema pornô. Podem acabar com o pornô, mas não conseguirão extinguir o problema. Pois a produção desse sujeito machista, sexista, falocrático, está inserido em mecanismos institucionais mais profundos da sociedade.  

O pornô acaba assumindo uma posição desconfortável, pois mostra as pessoas como elas realmente são

XP: Por que vocês acham que a pornografia é vista sempre de uma forma tão nociva por quem está de fora dela?

KP: Embora se trate de construir ficções, a pornografia tem o mérito de desnudar aspectos humanos que geram bastante desconforto, e que a maioria prefere colocar para debaixo do tapete, longe da esfera pública. Quando a pornografia recusa o lugar de “aquele segredinho sujo” que a maioria das “pessoas de bem” deseja a encurralar, o pornô acaba assumindo uma posição desconfortável, pois mostra as pessoas como elas realmente são. Por isso, o foco do problema vai além da pornografia.

Você pega a sociedade como um todo, você percebe que ela está organizada de cima a baixo por essa assimetria de gênero que dificulta o protagonismo feminino.

Assista Messy Fetish xXx

XP: É bem comum ver na pornografia mulheres entre a faixa dos 20 e 30 anos enquanto muitos homens, ainda que alguns comecem na mesma idade, costumam permanecer por muito mais tempo. Seja atrás ou na frente das câmeras. O pavor do envelhecimento da mulher é sempre apresentado como mais um dos problemas da pornografia, vocês acham que essa diferença no tempo de permanência entre os gêneros se deva a algum fator especial?

KP: Hoje, existem muitas mulheres com mais de 30 anos que continuam dentro do pornô, não apenas atuando, mas também dirigindo, produzindo, ocupando outros papeis na cadeia de produção. Isso é consequência das relações de força e lutas que ocorrem dentro da pornografia vista como um campo de poder. 

Não acredito que exista um prazo de validade para as mulheres dentro da pornografia. Claro que é preciso avançar mais, mas não se trata de uma luta exclusiva ao campo da indústria pornô. Você pega a sociedade como um todo, você percebe que ela está organizada de cima a baixo por essa assimetria de gênero que dificulta o protagonismo feminino. Um exemplo, só você pegar estatísticas de salários e número de homens e mulheres que ocupam cargos executivos em empresas ou ainda que ocupam cargos públicos no campo político. Os embates de gênero não são exclusivos do campo da pornografia. A luta pelo protagonismo feminino deve ser reivindicada na sociedade como um todo.

Se alimente com ideias que tem o impacto de coquetéis molotov’s

XP: O que você diria para iniciantes que estão empolgados com um celular ou câmera na mão e com uma musa por perto, que permitiu ter sua imagem comercializada na internet? E o que fazer para não enfrentar problemas da pornografia?

KP: Há um acesso maior em termos de tecnologia e conhecimento que possibilitam alguém realizar produções audiovisuais. Hoje em dia, com um celular, você pode fazer um filme. Não se trata apenas de pornografia. Então se alimente com ideias que tem o impacto de coquetéis molotov’s , que sirvam para estimular formas libertárias de desejo, firmadas no respeito pelos outros e outras, se aproprie das ferramentas tecnológicas que estão aí e dê forma a sua arte-sabotagem!

Problemas da pornografia

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