Um conto de terror psicológico que mistura sodomia, necrofilia e magia negra. Divirta-se.
Toneladas de ferro

Segunda feira – 11 de fevereiro de 2013 – 23h16

Nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo. Vi coisas parecidas somente em filmes ou jornais! Agora, estou sentindo na pele o que é estar perdido, ou melhor, preso. Para piorar, a escuridão é total. A luz do celular é fraca, mas tenho que usá-la para poder escrever esse relato, pois quero poupar a energia de minha lanterna.

Meu nome é Tomás. Trabalho como Técnico de Mineração no departamento de engenharia da Vale do Rio doce, aqui no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais (especificamente na sede das instalações da futura Mina Apolo, a qual acabará de vez com o que resta de paisagem na Serra do Gandarela). Sinceramente, não tenho orgulho em dizer que trabalho com mineração de ferro!
 Estamos presos nessa caverna (ou gruta subterrânea) desde a manhã de hoje. Escrevi no plural, pois comigo estão duas pessoas: Edson (Engenheiro, e meu amigo de infância), com o qual tenho prazer trabalhar; e JP, Técnico de Mineração também, encarregado pelo mapeamento da região da serra. Assim como eu, Edson e JP são funcionários da Vale.
Agora, irei deixar registrado como as coisas aconteceram.

Ao caminhar sozinho pelas margens do rio “Ribeirão da Prata”, JP percebeu que o nível da água em um determinado ponto, onde há uma gruta no paredão rochoso, estava baixo. Dessa forma, outra passagem (ou outra gruta) aparecera. Então, imediatamente entrou em contato com Edson solicitando ajuda para a realização de catalogação geológica. Meu amigo atendeu o chamado e me convidou para ir com ele, pois tenho experiência em trabalhos de catalogação, feitos aqui na região.

E ai está o erro! Nós viemos… Rapidamente. Mas não avisamos ninguém do nosso departamento sobre o que iriamos fazer, ou para “onde” estávamos indo. Isso foi a corda no nosso pescoço. JP, entusiasmado com a descoberta, também não passara a coordenada para outros além de mim e Edson.

O resultado? Entramos… Contemplamos essa maravilha geológica (uma gigantesca caverna subterrânea). Mas minutos depois, quando decidimos sair para chamar o resto da nossa equipe, percebemos que a água do rio subira ao nível normal, de maneira que se tentássemos atravessar a “nova passagem” a nado, certamente morreríamos afogados, ou seríamos arrastados pela força da correnteza.
 Isso ocorreu por volta de dez horas da manhã. Em seguida, decidimos não nos preocupar e esperar com calma, pois o nível d’água certamente baixaria novamente. Ok! No papel parece fácil… Mas a verdade é que estamos esperando por isso há mais de 13 horas! E nada da água baixar.

Ainda não entendemos o que aconteceu. Talvez um evento possa ter afetado o curso do rio por alguns minutos, os quais foram suficientes para nos trancafiar. Mas é estranho pensar isso, porque em razão de trabalharmos na operação da futura instalação da Mina Apolo, temos o controle e o mapeamento de tudo que ocorre na região da Serra. A verdade é que fomos muito inconsequentes quando, sem avisar a ninguém, simplesmente entramos naquele “buraco de cobra”, que nos trouxe até aqui dentro. Agora, temos que suportar nosso ato imprudente!

Não estamos totalmente encrencados quando o assunto é comida. Edson trouxe algumas bolachas (o Gordinho não sai do escritório para encarar a serra sem levar, no mínimo, um pacote de Trakinas!), e em minha mochila há diversas barrinhas de cereal. Agora, a nossa sorte é que o trabalho de JP o obriga a passar diversas horas nas instalações das minas e terrenos da Vale, na região serrana. Logo, o cara sempre carrega seus suprimentos. Hoje, por exemplo, trouxe um pacote de bolacha Sete Capas, uma banana enrolada em papel alumínio, duas maçãs, e um pacote de bolacha de água e sal.

Para minha surpresa… Até uma pequena garrafa térmica, contendo café, estava em sua mochila, com meia dúzia de copinhos descartáveis!

Após inventariarmos esses “preciosos” itens, chegamos à conclusão que, na pior das hipóteses (que é ter de esperar 5 ou 6 dias para sairmos) teremos alimento, porém de forma racionada. Sinceramente, estou preocupado… Sei que os dois também estão! No momento, sem outras opções, decidimos tentar dormir e poupar nossas energias, para podermos procurar uma saída alternativa amanhã, caso a água não baixe novamente.

Edson já dormiu! Ele é o tipo de pessoa que nunca perde o ânimo. Há alguns minutos, por exemplo, estava lamentando o fato de não haver um baralho para jogarmos pôquer, apostando nossas cotas diárias de bolachas. Sinceramente… Gostaria de poder ajudá-lo. Sei que anda muito preocupado com o casamento próximo. Tanto que nos últimos meses está se matando de trabalhar.
 JP, por outro lado, aparenta ser um homem de poucas palavras. Sendo até estranho. De nós três, é o que mais demonstra preocupação em relação à essa situação. Apesar de ser um cara alto e magro, na empresa eu só o vi uma vez, em um evento de vacinação contra prevenção à gripe, que ocorreu na matriz. Bastante tímido, conversa praticamente sem olhar nos olhos da outra pessoa, e penso que isso se deve ao fato de ser estrábico. Deve ter vergonha. No momento, assim como Edson, ele procura dormir também… Mas não sei se consegue!

A caverna está silenciosa. Escuto apenas o som de diversas goteiras se chocando contra as pedras do chão. A temperatura é relativamente agradável, devendo oscilar entre 17 e 25 graus. O local onde estamos “acampados” trata-se de um salão rochoso, cujo teto possui estalactites que aparentam possuir mais de cinco metros de comprimento. O chão é totalmente desforme, com rastros de erosão em todo o lugar, o que indica que, no passado, poderia haver um lençol freático aqui. Além disso, restos de desmoronamentos de rochas, caídos ao redor de imensas estalagmites, dão a impressão de que estamos em um cenário onde uma explosão ocorrera a pouco tempo.

Notamos que, além desse enorme salão onde estamos, também existem diversas galerias (corredores) por aqui. A principal, que foi por onde entramos, está totalmente alagada agora, mas existem outras que pretendemos explorar amanhã, com o intuito de achar uma possível saída. Mas, pela minha experiência, acho difícil! Não quero falar isso para os caras, mas a notória falta de Morcegos indica que não há algum espaço ou fenda que dê passagem para o lado de fora da serra, pois esses animais precisam dessas brechas para sair durante a noite e se alimentarem de frutas.

Mudando de assunto, decidi escrever para distrair a cabeça e relaxar um pouco (por sorte esse caderno estava em minha mochila!). Nesse momento, os familiares de Edson e de JP devem estar desesperados à procura deles, pois como falei, ninguém sabe que estamos aqui. Mas não posso falar o mesmo sobre mim! Nessa noite não existe alguém sentindo minha falta… E a culpa é minha… Mereço pagar caro pelo que fiz! Então, por esse motivo eu estou escrevendo… Para deixar a mente ocupada e tentar afastar os fantasmas da minha consciência, que teimam em me assombrar. Principalmente aqui, nessa escuridão infinita.

Deus? Para mim isso é piada de mau gosto! Pouco tempo antes de ir dormir, JP perguntou minha religião. Respondi dizendo que não acredito em Deus, em Diabo, em Anjos ou em demônios. Ele apenas sorriu e disse: “Não amar Deus é natural. Agora, não temer o Diabo pode ser perigoso. Cuidado!”. E essa foi a primeira vez, desde que chegamos aqui de manhã, que JP me encarou, olhando direto em meus olhos. Sinceramente… Esse cara me dá medo! O que ele quis dizer com “Temer o Diabo!”? Juro que tive vontade de devolver: “JP… Olhe para mim… Eu sou o Diabo!”.

E para falar a verdade, eu não estaria totalmente errado!
 
     Espero ter melhores noticias amanhã, e torço para que tudo isso não passe de um grande susto. Assim como os outros caras, vou tentar dormir agora. A escuridão, somada aos relaxantes sons das goteiras, me fazem querer pegar no sono.
 Boa sorte para todos nós!

Ass: Tomás


Terça feira – 12 de fevereiro de 2013, 20h25

As coisas estão ficando feias aqui! Um acidente horrível aconteceu com Edson durante a tarde de hoje.

Antes de tudo… A primeira coisa que fizemos ao acordar nessa manhã foi verificar a galeria inundada. Estava do mesmo jeito! Logo, decidimos procurar uma saída alternativa, o que nos levou a desbravar as galerias dessa caverna (não todas… obviamente!). JP, o mineiro mais capacitado, ia á frente. Empunhando seu facão e iluminando o caminho com a luz amarela da lanterna. Dessa forma, caminhamos vários metros por um trecho sinuoso, até que contemplamos uma espécie de desmoronamento, que bloqueava a passagem.
 
     Percebemos que em meio aos escombros das rochas, havia pedaços de madeira e ferro. Observamos bem e concluímos que, do outro lado daquele desmoronamento, poderia haver os restos de alguma mina de ouro desativada, pois aqueles objetos lembravam colunas de sustentação, o que é algo muito comum em minas antigas.

JP iluminou o alto do desmoronamento e percebemos que a galeria não estava totalmente bloqueada, mas havia brechas na parte superior, grandes o bastante para caber um homem. E esse homem era Edson! Sem titubear, foi o primeiro a se oferecer para checar o que poderia haver do outro lado.

Que droga! Sinto que eu deveria ter feito aquilo no lugar dele! Ou pelo menos tê-lo impedido de subir aquela porra de desmoronamento! Será que apenas eu lamento, constantemente, o fato de não possuir uma máquina do tempo que me permitisse apagar os erros do passado? Acredito que não!

Então… O gordinho subiu. A altura deveria ser de aproximadamente 4 metros, e ele estava indo bem. Mas em dado momento, pisou em uma madeira podre, a qual se partiu fazendo-o despencar! E foi ai que o pior aconteceu! Ao perceber que iria cair, Edson optou por tentar se segurar à uma barra de ferro que estava ao lado. Não alcançou. Apenas esbarrou a mão direita nessa barra. Mas de alguma forma a aliança de noivado ficou enroscada ao ferro, possivelmente em algum parafuso ou prego. Dessa forma, meu amigo não conseguiu se segurar, e acabou caindo. Mas o dedo anelar da mão direita permaneceu preso na aliança, enroscada na barra. Logo, em razão do peso do corpo, o dedo foi decepado.

Quando Edson caiu, sua perna direita se quebrou, bem no meio da canela (como ele caiu na vertical, provavelmente o osso não suportou o peso do corpo!).  O som estralado da quebra do osso foi tão alto que na hora fiquei com ânsia. Eu e JP não conseguimos acreditar em tamanho estrago. Em seguida, tirei minha camisa e tentei estancar a grave hemorragia do ferimento na mão direita, enquanto que JP lutava para devolver o osso da perna ao seu devido lugar. Não tenho sadismo suficiente para descrever o sofrimento do meu amigo. Não vou fazer isso! Mas confesso que me segurei para não chorar na frente dele, ao vê-lo sofrer daquele jeito.

Porém, um detalhe mexeu no fundo do meu coração. Enquanto estávamos carregando Edson para o salão rochoso, onde ficam nossas coisas… Ele me olhou e disse chorando: “Tomás… Volta lá cara, e tente recuperar o meu dedo, pois o médico pode reimplantá-lo quando sairmos daqui!”. Não sei o porquê, mas escutar aquilo me machucou muito. Sabia que não iria adiantar, pois não havia como estocar o dedo em gelo. Mesmo se fosse possível, não sabemos quanto tempo vamos ficar aqui… De hora em hora checamos a galeria inundada e… Simplesmente a água permanece lá… Sorrindo para nós!

Mas eu fiz! Dei um jeito de subir (tive muito cuidado), e consegui cumprir minha missão. E o que me confortou um pouco, é que pelo menos Edson iria ter a aliança de noivado de volta! O dedo? Este foi enrolado em um dos papéis alumínios que JP trouxera para revestir suas frutas, e devolvido ao dono. Novamente, segurei meu choro quando vi meu amigo pegando o dedo decepado e colocando-o carinhosamente dentro de sua bolsa… Será que ele tinha tanta esperança de fazer uma reimplantação? Não vou falar nada… Não fui eu quem perdeu um membro… E não faço ideia da dor física e psicológica que isso deve causar!

No momento, Edson está deitado ao meu lado. A hemorragia, causada pelo corte do dedo, já cessou. Mas a mão está inchada e roxa. Além disso, a perna (com o pior ferimento!), ainda sangra muito. JP fez um ótimo trabalho, escondendo o osso exposto. Mas muito tecido muscular fora danificado, de maneira que uma boa parcela de sangue se perdeu. Além disso… Meu amigo está com muita febre, e as vezes aparenta sinais de delírio! Pouco tempo atrás, por exemplo, me chamou histérico (JP até se aproximou correndo, para ver o que acontecia), e disse que um novo dedo estava crescendo. Quando observei, ele havia retirado o “Curativo” na mão direita e coçava o ferimento com as unhas dos dedos da mão esquerda, fazendo com que a hemorragia retornasse.

Já estamos na segunda noite. Em razão de não haver sinal de luz solar, temos a sensação de que estamos aqui há vários dias. As horas passam, não conseguimos dormir direito e, para piorar, temos que lidar com a situação grave na qual Edson se encontra. Comemos algumas bolachas, bebemos água, mas nossos nervos estão tensos! A pergunta que não conseguimos deixar de fazer… Quanto tempo passará até sairmos daqui? Já devem estar nos procurando! Mas onde?
 
     Depois do que acontecera a Edson, desistimos de tentar verificar o outro lado daquele desmoronamento. Amanhã, JP disse que irá explorar outras galerias, enquanto que eu ficarei cuidando de meu amigo.
Força para todos nós!

Ass: Tomás

Quarta feira – 13 de fevereiro de 2013 – 19h20

Edson faleceu…
Nesta madrugada, dormi por cerca de 2 ou 3 horas. Quando acordei, com vontade de urinar, percebi que meu amigo não respirava. Tirei a blusa de frio dele, tentei fazer massagem cardíaca. Tarde demais! Os músculos já estavam rígidos. JP percebeu o que acontecia e tentou me ajudar. Não adiantou… Edson estava morto!

O gordinho era meu melhor amigo. A única pessoa que entendia meus problemas e que conhecia a verdade sobre mim! Agora que eu o perdi… Não tenho mais ninguém. Não sei o que dizer… Onde está Deus neste momento? Estou muito triste, e fico mais ainda só de pensar em como a família dele ficará também.

Pouco depois, por volta de 7 horas da manhã, decidimos levar o corpo para uma das galerias, e deixa-lo temporariamente “sepultado” sobre um punhado de pedras. Obviamente, quando alguém nos resgatar ou quando conseguirmos sair daqui, vamos dizer a localização exata do corpo, para que a família realize suas devidas cerimonias. A aliança de noivado ficou em minha carteira. Pretendo entrega-la para Amanda pessoalmente!

Outra parte ruim, em relação à morte de Edson, é que agora JP passa a ser minha única companhia. Como já disse, não gosto do jeito esquisito desse cara e, para piorar, após colocarmos o corpo sob as pedras, em uma galeria próxima ao desmoronamento (onde o fatídico acidente aconteceu!), novamente o cara tocou no assunto “Religião”. Merda! Odeio falar sobre essas coisas… Muito menos sobre Deus, Jesus e etc…

Fui arrogante! Sem papas na língua, rebati todos os argumentos de JP (a respeito da importância da fé), de forma árdua e impaciente, deixando claro que eu não era religioso e não gostava de falar sobre o assunto. Adicionalmente, falei que o acidente ocorrido com Edson foi apenas uma fatalidade, que está sujeita a acontecer com qualquer um. Então, percebendo que um clima chato iniciava-se entre nós, decidi quebrar o gelo e virar a mesa: Perguntei qual era a religião dele. A resposta não era o que eu esperava!

“Sou integrante de uma seita Satânica, aqui de Minas Gerais”

A minha incredulidade, em tudo que não se pode ver e tocar, contrastou-se com o que senti ao escutar aquilo. Foi um tremendo desconforto… Não sei explicar… Mesmo JP tendo me respondido de forma tranquila e pacifica, a resposta soou agressiva para mim… Quase um tapa na cara! Nunca estive de frente com uma pessoa que dissesse ser Satanista. E um frio tomou conta do meu estomago, quando lembrei uma das frases que JP me dissera no primeiro dia que chegamos aqui: “Não amar Deus é natural. Agora, não temer o Diabo pode ser perigoso. Cuidado!”.  E as coisas pioraram durante a tarde!

Quando o relógio marcou 14h00, eu conversava com JP, até que ele mudou de assunto e me fez uma proposta. Disse que entendia o fato de eu ser cético e não me culpava por isso. No entanto, alegou que se eu concordasse ele poderia tentar fazer um procedimento voltado à crença religiosa dele, no qual buscaria ajuda divina (do diabo talvez?) sobre o nosso problema. Não dei muito credito para aquela ladainha… Mas perguntei como seria o tal “procedimento”. E fiquei em estado de choque, quando ele disse que pretendia utilizar o cadáver de Edson para se comunicar com uma entidade protetora dele chamada – Bacal.

Não deixei o desgraçado terminar. Apontei o dedo na cara dele e disse que se tentasse fazer alguma coisa com o corpo de meu amigo, eu o quebraria por inteiro. JP ficou desnorteado, e sem graça. Achava ele que eu iria concordar com tamanha idiotice? Corroborar com a realização de um Ritual macabro, feito no corpo do meu melhor amigo, para podermos nos comunicar com um tal de… Bacal? A falta de luz solar na cabeça deve estar deixando JP louco.  Sinceramente, era só o que me faltava!

Após essa estressante conversa, fui verificar o nível da água. Sem novidades. Ainda temos comida para 5 ou 6 dias, e é melhor tentarmos achar alguma solução rápida… Pois logo poderemos sofrer com a fome, o que não será nada agradável! A falta de energia no corpo é o inimigo número 1 de pessoas que passam por situações como a nossa.

JP está dormindo, e eu vou fazer o mesmo, pois a minha cabeça está doendo, certamente pela falta de alimentação saudável. Edson… Onde quer que você esteja, meu amigo, me perdoe por não ter te salvado… Descanse em paz!

Ass: Tomás

Quinta feira -14 de fevereiro de 2013, 17h20

Algo estranho, e perturbador, aconteceu nessa madrugada!

Antes, quero relatar que, neste momento, estou escondido em uma fenda nas rochas, localizada no paredão de uma das diversas galerias aqui da caverna. Sim… Estou escondido! Por sorte esse local é quase imperceptível, de maneira que não serei encontrado facilmente!

Tudo aconteceu por volta das 3 horas da madrugada de hoje, quando acordei sentindo uma forte dor na cabeça. Apanhei minha lanterna e direcionei a luz onde JP dormia… Não havia ninguém. A primeira coisa que veio à minha mente foi a conversa que tive com o filho da mãe na tarde de ontem, e não precisei fazer esforços para juntar as peças! Sabia o que ele estava fazendo! Sabia que tentava se comunicar com sua entidade protetora… Bacal.

Mesmo tonto, me levantei e caminhei em direção à galeria, onde o corpo de Edson “deveria” estar guardado em paz. Carreguei a lanterna comigo, mas deixei desligada e usei apenas a fraca luz do celular para iluminar o caminho, pois queria pegar JP de surpresa. Durante o percurso, senti que escorria bastante água nas paredes da galeria. Dessa forma, deixei minha mão se molhar e a coloquei em minha cabeça, aliviando temporariamente a dor. E continuei… Caminhando sorrateiro.

Continuei por mais alguns metros e finalmente escutei ruídos estranhos, que se destacavam em meio aos sons típicos da caverna. Era a voz de JP, resmungando coisas que não consegui entender. Mas, percebendo que estava perto, e tendo concluído que era certo meu raciocínio sobre o que possivelmente estaria acontecendo, decidi desligar o celular e me guiar apenas pelo som. Minha ideia era acender a lanterna bem nos olhos do desgraçado, e partir para cima dele em seguida.

E assim eu fiz… Mas a surpresa foi maior do que eu esperava!

Ao acender a lanterna, notei que o corpo de Edson, não mais sob as pedras, jazia caído no chão, totalmente despido e de bruços. JP, também nu, estava deitado sobre o corpo. De inicio, ele me ignorou. Foi como se eu não estivesse presente. Então, o ato continuou. Com uma das mãos, JP erguia a cabeça do cadáver do chão, segurando-a pelos cabelos. Com a outra, segurava a cintura e insistia em uma série de movimentos bruscos, enquanto dizia palavras indecifráveis.

Não consigo acreditar no que vi… JP estava fazendo sexo com o cadáver! Era isso então? Sexo?… Esse era o procedimento espiritual que poderia salvar nossas vidas? Já li uma vez que determinadas seitas satânicas costumam realizar rituais secretos que envolvem sexo e orgias. Agora, realizar tal ato com uma pessoa morta é algo que nunca passou em minha cabeça, e acho que está longe da sanidade da mente humana. No entanto, a surpresa principal estaria por vir. Algo terrível estava por acontecer.

Mesmo chocado, corri em direção à JP e o agarrei pelos braços, fortemente, e o atirei ao lado. Sem piedade, comecei a desferir belos socos na cara dele. Até que, rindo, olhou para mim e disse: “Tarde demais… Veja você mesmo”. E eu vi. Atrás de mim, o cadáver de Edson estava de pé (ligeiramente torto para a direita, em razão da canela quebrada), apontando o indicador na minha direção.

Fiquei petrificado. Não imaginava que o medo fosse tão poderoso. Mas isso é normal, as pessoas temem o desconhecido. E naquela situação eu vivenciava uma experiência, literalmente, sem “explicação lógica”. Eu mesmo constatei a morte de Edson, verifiquei que o coração não batia e os músculos estavam rígidos como pedra. Mas ele estava lá, em pé, apontando o dedo em minha direção! Ou estaria possuído por “Bacal”?

Será que a ausência de luz solar e de vitaminas, ou até mesmo a minha forte dor de cabeça, me fizera delirar e ver aquilo? Não sei… Até queria acreditar que fora uma ilusão… Mas a situação ficou mais real quando o cadáver, além de se levantar, resolveu falar: uma fumaça volumosa de cor preta passou a sair da boca… Seguida de uma voz feminina, abafada, que dizia “Você precisa pagar pelo que fez… pagar com a própria vida”!

A cada palavra, a fumaça negra se propagava. A luz da lanterna, em minha mão, tremia e eu já estava com dificuldade de segura-la. Em seguida, olhei para JP, ainda nu, e percebi que ele já estava de pé, segurando seu facão. Logo, caminhou em minha direção e repetiu as mesmas palavras que o cadáver possuído acabara de dizer: “Você precisa pagar pelo que fez… Não pode escapar e sair com vida”. Nesse momento, observei que a fumaça preta também saia da boca de JP! Que espécie de ritual era aquele? Qual era o objetivo de JP em promover aquela cerimonia bizarra? Não esperei por respostas, pois o desgraçado, forte e alto como um jogador de basquete, se aproximava de mim, segurando aquele facão afiadíssimo.

Como o caminho da galeria ainda estava fresco na memória, minha reação foi desligar a lanterna e correr. Alguns metros adiante, liguei a luz do celular e consegui achar a saída para ao salão, onde eu dormia. Apanhei minha mochila e continuei correndo por outra galeria. Lembro que acedi a lanterna, por alguns segundos, e percebi que ninguém me seguia. Mesmo assim, continuei rapidamente, ao fundo. Até que finalmente, por sorte, encontrei essa grande fenda, na qual estou agora. A fissura na entrada é pequena, mas o espaço aqui dentro é suficiente para eu permanecer até as coisas se acalmarem… Se é que isso vai acontecer!

Ainda não acredito em tudo que houve. Estou com muito medo. A única coisa que tenho certeza é que o louco do JP quer me matar… Com golpes de facão! Tenho que ter cuidado e não me deixar ser pego, se quiser sobreviver. Quanto àquela coisa que possuiu o corpo de Edson, Bacal? Não sei o que dizer. Porém, a voz feminina me era muito familiar! Não pode ser… Não! Não pode ser ela!

Uma coisa está martelando a minha cabeça: Se o mal existe… Então, o bem também deve existir! Logo…

Deus… Você existe?

Preciso desligar a luz do celular e parar de escrever. Estou escutando barulhos estranhos, ecoando ao lado de fora dessa fenda. Será JP me procurando com seu facão afiado? Ou será o cadáver possuído?

Ass: Tomás

Sexta feira – 15 de fevereiro de 2013, 09h10

Acredito que estou ficando louco. Pois não consigo acreditar no que está acontecendo! Nessa manhã eu acordei por volta de 7 horas, escutando gritos! Para piorar, tratava-se da voz de Edson, dizendo: “Tomás… Socorro Tomás… Me ajuda Brother …”. Porra! Apenas Edson me chamava assim – “Brother”. Não me lembro de ele ter falado dessa maneira na frente de JP. Tomara que seja fruto da minha imaginação, ou que seja apenas um sonho! Mesmo assim, não consigo esquecer tudo o que aconteceu. O que foi aquilo afinal de contas? Uma coisa tenho certeza – Não foi sonho!

Ontem, após terminar de escrever, os estranhos barulhos ao lado de fora cessaram-se. Desde então, o silêncio reina nessa caverna. A madrugada se passou, e acredito que consegui dormir apenas 2 ou 3 horas. Essa fenda, onde estou escondido, é bastante gelada. Porém, tenho sorte de haver goteiras de água, que poderei tomar em caso de sede.

“Enquanto escrevia o trecho acima, senti algo tocando minha perna direita… Como se fosse uma mão, pois dava até para sentir os dedos, subindo pela minha canela e parando em meu joelho. Não sei de onde tirei coragem, mas apontei a fraca luz do celular na direção do joelho – não era uma mão… Era uma caranguejeira preta, com manchas de cor laranja. Os dedos que sentia, na verdade, eram as patas do animal. Vou deixá-la parada ali por enquanto… sei que se me mover, ou espanta-la, ela poderá me atacar!”.

No momento, além dos sons oriundos das goteiras, nada mais posso escutar. Sei que JP deve estar em algum lugar me procurando. Por esse motivo, estou tomando cuidado de deixar a luz do celular apontada apenas para esse caderno em que escrevo (caralho!… A Caranguejeira está se movendo, subindo lentamente pela minha coxa!), e sei que qualquer barulho poderá chamar a atenção do desgraçado.

Não sei quanto tempo ficarei aqui. Restam apenas algumas bolachas e três barrinhas de cereal. Irei comê-las apenas quando eu já estiver tremendo de fome. Enquanto isso, tenho certeza de que JP está verificando o nível da inundação da galeria a cada hora. Preciso dar um jeito de descobrir se aquele filho da puta conseguiu escapar. Mas estou sem coragem para sair dessa fenda (a aranha já está perto da virilha. Onde esse animal vai parar?). Acho que o melhor a fazer é ficar quieto aqui e esperar com paciência. E pensar em alguma coisa… Alguma ideia!

Nessa situação sem esperanças, começo a entender o motivo das pessoas acreditarem em Deus, ou em religiões. É mais fácil superar a dor e o medo quando se tem, como último recurso, algo superior onde a nossa confiança possa ser depositada. Eu queria poder contar com tal esperança… Mas acho que não sou merecedor do perdão de Deus, pois já fiz muitas coisas erradas, e sei que divindade nenhuma me perdoaria. Pois até parte de mim acredita que estou passando por isso por consequência dos meus atos.

Então, mediante tudo isso. Eu me humilho e reconheço meus erros!

Deus… Sei que passei a maior parte da minha vida enchendo a boca para dizer que você não existe. Mas agora, na situação em que me encontro (a Caranguejeira voltou a caminhar… Pela minha cintura!) eu me humilho e te falo: se houver condições… Peço do fundo do meu coração podre que me perdoe e me salve dessa situação. Não tenho mais família, ou alguém para cuidar de mim, ou se preocupar comigo. Ressalto que não tenho vergonha de te dizer que estou com medo, e sem esperanças. Até agora não esqueço aquela coisa terrível que vi ontem, pois tenho certeza que se trata do mal. E se o mal existe, o bem deve existir. Logo… Perdoe-me… Acredito que você existe! Deus!
 
Perdoe-me! Por favor!

A maldita Aranha acabou de descer da minha cintura, e deve estar em algum lugar ao meu lado. Se meus mantimentos acabarem, e ela ainda estiver por aqui, irei comê-la. Arrancarei seus pelos alérgicos e a comerei… Até viva se for preciso! Vi um cara fazendo algo parecido em um programa que passa no canal Discovery Chanel, e ele disse que isso pode salvar a vida de um sobrevivente.

Vou desligar o celular e parar de escrever por enquanto. (se bem que nada é melhor para descansar minha mente do que compartilhar esses terríveis momentos com quem quer que seja que lerá isso). Espero que eu viva para poder escrever outra página!

Ass: Tomás


Sábado -16 de fevereiro de 2013, 08h05

Acabo de chegar a um ponto onde não há escolhas. Tenho que sair dessa fenda imediatamente e, de alguma forma, acabar com isso. E quando digo acabar com isso eu quero dizer que – Preciso encontrar e matar o desgraçado do JP! Preciso ser rápido, se quiser salvar minha vida. Pois nessa manhã eu acordei (naturalmente, ou seja, sem ser despertado!), e percebi que havia um pedaço de pano ao meu lado. Ao pega-lo, senti que estava úmido. Liguei a luz do celular e verifiquei que havia uma inscrição feita em sangue, onde eu li a seguinte frase: “Sei que você está ai dentro e vou te matar”.

Foi JP quem escreveu? Tenho certeza que sim. Agora eu me pergunto: que espécie de jogo macabro esse desgraçado quer fazer comigo? Por que não me matou de vez? Ou me acordou? Não sei… E pensar sobre isso me faz ficar ainda mais aterrorizado. Após ler a misteriosa frase, escrita no pano sujo, me levantei e coloquei a cabeça para fora da fenda por alguns segundos. O silencio era total, e não havia nem sinal de JP ou qualquer outra pessoa. Apenas a escuridão e o som das goteiras… Contando segundos.

Ainda não sei o que fazer. Mas agora, sabendo que minha localização fora descoberta, ficar aqui é loucura. Serei pego a qualquer momento. Então, estou pensando em fazer o seguinte: irei sair e ficar ao lado de fora, um pouco mais afastado. Não vou ligar a luz do celular e muito menos a da lanterna (mesmo se quisesse não poderia, pois a bateria já acabou!). Há diversas pedras grandes pelo chão dessa caverna. Então, se ele passar por aqui e tentar entrar na fenda, será surpreendido por uma pedrada na cabeça. Agora, se a noite chegar e ninguém aparecer…Caminharei sorrateiro até o salão principal dessa caverna, onde JP provavelmente está dormindo, e tentarei apanhar o facão dele. Se eu conseguir… Não terei ressentimentos em acorda-lo com um golpe no meio da cabeça.
 
    Bom, vou para o lado de fora agora! Esperar…

Ass: Tomás

Domingo – 17 de fevereiro de 2013, 02h00 (Madrugada)

Chegou a hora!

Passei a tarde inteira ao lado de fora dessa fenda, como eu havia escrito, e ninguém apareceu. Entrei novamente, verifiquei horário no celular e vejo que já são 2 horas da madrugada. JP deve estar dormindo (caso não tenha conseguido escapar da inundação).

Estou sem coragem. Mas tenho que fazer…

Depois de ler a mensagem que recebi de manhã: “Sei que você está ai dentro e vou te matar”. Não conseguirei dormir um minuto sequer. Preciso resolver isso de uma vez por todas. Não tenho escolha. Tenho que encarar a morte de frente e lutar contra ela! Mas saber que poderei encontrar com JP, armado com um facão, ou até mesmo o cadáver possuído de Edson, caminhando no escuro com a perna quebrada, faz meu estomago revirar.

Dane-se… Não vou esperar aqui e ser morto como um rato. O fato de JP saber que estou aqui, e não ter aparecido ainda, me faz pensar que ele deve estar tramando loucuras satânicas contra mim. De maneira nenhuma vou ficar para esperar…

Deus… Mais uma vez peço perdão por tudo… Esteja comigo somente essa vez!
 
     Adriana… Onde quer que você esteja nesse momento. Desculpe-me pelo que fiz… E, se possível, me ajude de alguma maneira.

Sinto muito sua falta!

Ass: Tomás

Último registro.

Entrevista exclusiva, com sobrevivente, revela momentos de pânico e horror no “Incidente do Gandarela”

João Paulo Duarte, que está sendo investigado pela morte de Tomás de Oliveira, concede entrevista inédita e conta sua versão dos fatos trágicos.

Edição do dia 27/02/2013 11h45 – Atualizado em 27/02/2013 18h23

Cerca de uma semana após o acidente conhecido pela mídia nacional como “Incidente do Gandarela”, as investigações acerca da morte do trabalhador Tomás de Oliveira, 30 anos, continuam intrigando a justiça Mineira.

Quando no dia 17/02/2013 João Paulo Duarte, 45 anos, foi resgatado às beiras do rio Ribeirão da Prata, os Bombeiros acreditaram que haviam acabado de solucionar o mistério que perturbava a Vale do Rio Doce e, consequentemente, as famílias dos três trabalhadores desaparecidos. Porém, ao acessar o local (uma caverna Subterrânea) onde Joao Paulo estava preso há mais de seis dias, os oficiais se depararam com uma dura realidade: os outros dois trabalhadores, Tomás de Oliveira e Edson Luiz, estavam mortos.

Antes mesmo de ser questionado, João Paulo contou todos os detalhes à Policia. Desde o motivo pelo qual os três se perderam na Serra, até os momentos que antecederam seu resgate.

SerradaGandarela




Serra do Gandarela. Região onde, possivelmente, será instalado o mais ambicioso projeto de mineração de todos os tempos: A Mina Apolo, da Vale do Rio doce. Nesse local, cortado pelo rio Ribeirão da Prata, ocorreu o acidente que ceifou a vida de Tomás de Oliveira e Edson Luiz. (imagens de satélite)

A versão de João Paulo sobre a morte de Edson, a qual ocorreu em decorrência de ferimentos graves na perna direita e mão direita, foi confirmada pela perícia e pelos médicos. Mas nessa semana, a explicação sobre a morte de Tomás foi contestada pelos médicos legistas, pois os resultados dos exames não revelaram fatores que evidenciassem luta corporal. O único ferimento estudado foi um golpe de facão no pescoço. No entanto, João Paulo está alegando à Polícia que precisou agir em legítima defesa, o que está em desacordo com os relatórios dos perítos, os quais concluliram que Tomás nada fez para se defender do ataque. Dessa forma, João Paulo passou a ser investigado por suspeita de homicídio.

Desde o dia do resgate, nenhum instrumento de mídia conseguiu entrar em contato com a família ou com o Advogado de João Paulo, para saber dele o que realmente aconteceu, e quais são seus argumentos sobre a misteriosa situação acerca da morte de Tomás. Mas nessa manhã, com exclusividade ao G1 – Minas Gerais, João Paulo, na companhia de seu advogado, concedeu uma entrevista ao jornalista Silvester Rodrigues, onde relatou em detalhes os últimos momentos em que esteve na caverna subterrânea.

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Entrada da caverna subterrânea, descoberta por João Paulo no dia 11/02/2013. Uma barragem artificial, feita pela empresa Ferro Minas, baixou o nível do rio Ribeirão da Prata por alguns minutos. Mas foi o suficiente para trancar os três trabalhadores em seu interior. Por sorte, a Ferro Minas realizou o mesmo procedimento na manhã do dia 17/02/2013, dando condições para que João Paulo escapasse.

O G1 não foi autorizado a divulgar as imagens ou o áudio da entrevista. Mas, logo abaixo, a transcrição da conversa poderá ser lida na integra.

G1: Quando os legistas terminaram de examinar o cadáver de Tomás, a conclusão foi de que ele morreu em função de um corte na região do pescoço, provocado pela lamina de um facão. Além disso, não encontraram marcas que evidenciassem a ocorrência de luta corporal. Dessa forma, quais argumentos você sustenta para afirmar que agiu em legitima defesa, quando na verdade os exames apontam o contrário? 
 

João Paulo: Sim, o corpo de Tomás não apresentava marcas de luta. Mas isso foi constatado porque eu, realmente, não cheguei a lutar fisicamente contra ele. Não houve luta corporal. O golpe que eu desferi no pescoço dele, e não discordo disso, foi a minha única ação de defesa, quando ele tentou me atacar no escuro da caverna, na madrugada que antecedeu o meu resgate.


G1: Por que Tomás teria discutido com você, sendo que ele estava na mesma situação desesperadora?
 

João Paulo: Tomás não era meu amigo. Mas eu sabia os rumores sobre os problemas pessoais, graves, que ele possuía e, respondendo sua pergunta, após a morte de Edson, Tomás passou a agir de forma estranha. Ficava o tempo inteiro andando de um lado para o outro e quando eu me aproximei dele, no intuito de convidá-lo para fazer uma oração, onde a intenção era ficarmos calmos e confiantes, ele ficou extremamente furioso comigo. Passou a me xingar e manifestar muita raiva por mim. Logo, fiquei preocupado, pois se quiséssemos sobreviver, precisaríamos trabalhar juntos. Mas não tinha jeito, sempre quando me aproximava dele eu era fortemente repreendido, sem motivo aparente.


G1: A Polícia disse que, no Boletim de ocorrência, você alegou que Tomás estava com sérios problemas mentais. Quais fatos você presenciou, além do que acabou de nos contar, que o fez pensar assim?

João Paulo: Na primeira madrugada após a morte de Edson,  Lembro que fui dormir muito tarde, enquanto Tomás escrevia, não sei o que. Depois, eu acordei escutando sons de gritos. Levantei-me no escuro, liguei a lanterna e percebi que Tomás não estava no lugar dele. Logo, fui procurá-lo. Caminhei pela galeria, de onde vinham os gritos, e o encontrei totalmente sujo. Além disso, sem motivo ou razão aparente, havia retirado o corpo de Edson debaixo das pedras e estava prestes a dar socos no cadaver. Rapidamente, eu o segurei firme, mas ele se virou e me encarou com um olhar irreconhecível, semelhante a um animal, e disse para eu me afastar se não me mataria. Sem falar nada, eu o soltei e ele correu desesperado, tropeçando nas pedras e nas próprias pernas, e se escondeu em algum lugar.


G1: Quando você contou sua versão dos fatos, a Polícia entrou em contato com a família de Tomás questionando a existência de laudos médicos ou outros documentos que comprovassem que realmente ele estava passando por problemas mentais. A família dele negou esse tipo de problema, mas confirmou que ele passou a ter depressão após o incidente da esposa em 2011. Agora a pouco, você disse que assuntos pessoais graves poderiam justificar os possíveis danos mentais de Tomás. O que você sabe a respeito disso?
 


João Paulo: A fonte é confiável, pois foi o próprio Edson que me contou. O fato é que Tomás tinha um grave problema. Mesmo casado, era sexualmente compulsivo. Só pensava em sexo. Dessa forma, traia a mulher constantemente e as brigas passaram a ser frequentes na vida do casal. Um dia a esposa, chamada Adriana, o flagrou em casa transando com outra mulher. Isso foi a gota d’água para o casamento. Tomás tentou se justificar, dizendo que precisava de tratamento médico para cuidar da sua compulsão, mas Adriana ficou muito chocada com a cena. Então, em uma noite de agosto, no ano de 2011, Tomás voltou para casa e viu uma carta na mesa da cozinha, onde Adriana dizia que se mataria e a culpa seria dele. Além disso, ela ressaltou que todos aqueles anos de traição não poderiam ser justificados por uma simples compulsão, e que Tomás precisava pagar com a própria vida. Após ler a carta, ele imediatamente correu até a garagem. Tarde demais, Adriana se matara dentro do carro ligado, utilizando-se de uma mangueira para conduzir os gases tóxicos do escapamento até o interior do veículo. Nada pode ser feito, pois ela já estava asfixiada.

G1: Os policiais conhecem essa história? Eles conversaram com os familiares de Tomás sobre isso?

João Paulo: Sim. Eu mesmo disse isso a eles. Mas, como falei, a ausência de atestados médicos dificulta meu argumento. Sem contar o fato de que os familiares querem que eu seja julgado como culpado! Então, disseram à policia que Tomás estava bem e saudável em relação à mente, sendo que na verdade não estava. Eu mesmo provei isso! Se Edson tivesse sobrevivido, certamente me ajudaria nessa questão.

G1: Agora que estamos sabendo de todas essas informações, gostaríamos de entender o que de fato aconteceu na madrugada do dia 17 de fevereiro de 2013. Por que foi necessário você agir daquela maneira?

João Paulo: Naquela madrugada eu não conseguia dormir. O silêncio me perturbava, e eu estava preocupado sabendo que Tomás poderia aparecer a qualquer momento e, de alguma forma, me atacar, como ele mesmo disse que faria! Lembro-me que escutei sons de passos. Levantei-me e perguntei: Tomás, é você? Mas não obtive resposta. Acendi a lanterna e constatei que realmente era ele, e estava bem à minha frente, segurando uma pedra do tamanho de um abacate maduro. Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele atirou aquela pedra na minha direção. Meu único gesto foi levantar as mãos, para proteger o rosto, e me abaixar. A pedra passou perto de minha cabeça, mas por sorte atingiu apenas a lanterna, que caiu no chão desligada. Dessa forma, ficamos cara a cara um com o outro. Ambos cegos, em razão da escuridão.

G1: Como você conseguiu pegar o facão e acertá-lo?

João Paulo: Eu estava ao lado das minhas coisas. Abaixei para me proteger e tateei o chão na intenção de pegar o facão. Depois me levantei, dizendo a Tomás que ele deveria parar, pois eu estava com uma arma e poderia machucá-lo. Infelizmente, não me escutou. Percebi que ele, de forma desesperada, apanhava mais pedras e as atirava em várias direções, tentando me acertar. Até que correu em minha direção. Percebi isso pelo som! Então, meu instinto de proteção foi mais forte. Fechei os olhos e dei apenas um golpe na escuridão. Não queria que isso tivesse acontecido, mas acertei a garganta dele.

G1: E o que houve em seguida?

João Paulo: A primeira coisa que fiz foi procurar a lanterna. Minutos depois eu a encontrei, acendi a luz e vi que Tomás estava gravemente machucado. Fiquei desesperado, mas não pude fazer nada. Ele faleceu logo em seguida. Meu estado era de choque, pois nunca pensei que um dia eu passaria por aquela situação. Ao lado do corpo, chorei e lamentei muito aquela morte. Cerca de três horas depois, percebi que uma típica luz aparecia na galeria principal. A água havia baixado um pouco, permitindo a entrada dos raios solares da manhã. Consegui sair e imediatamente uma patrulha dos bombeiros me resgatou.

G1: Você passou por situações desesperadoras enquanto esteve preso naquela caverna. Em algum momento pensou que não sobreviveria? Chegou à acreditar que iria morrer?
 

João Paulo: Em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois tenho muita fé em minhas crenças. Não vou falar sobre a minha religião, que por sinal sofre bastante discriminação. No entanto, a minha fé permitiu que eu não me abalasse, mesmo no final quando Tomás me atacou. Agradeço muito à entidade que me protege 24 horas por dia. Sem a ajuda e a guia dela, talvez eu não tivesse sobrevivido.


G1: Essa entidade opera como uma espécie de anjo da guarda?

João Paulo: Sim! É exatamente isso!

G1: E você pode nos contar o nome dela?

João Paulo: Claro, chama-se Bacal. (Fim da Entrevista)

Em nota ao G1, o Investigador Gustavo Serrano disse que a reconstituição da morte de Tomás será marcada para os próximos dias. Nessa ocasião, além do exame detalhado do local da morte, os peritos tentarão recuperar os objetos perdidos de Tomás, dentre os quais destaca-se o caderno que fora mencionado por João Paulo, que possivelmente pode conter anotações de próprio punho, feitas por Tomás enquanto ele estava escondido.
 
Do: G1 Minas Gerais,

Por: Silvester Rodrigues

Fim.

Autor: Carlos Gonçalves.