Quando mandei meu primeiro email para a Xplastic a fim de preencher a vaga de escritor para este blog, precisei mostrar um pouco de mim, um pouco do que eu escrevia. Acontece que, no auge dos meus vinte e três anos e sem qualquer texto impresso publicado — a não ser que você conte os livros de contos dos alunos da minha escola, é claro —, eu cheguei a ficar com vergonha de dizer que tudo o que eu sabia sobre escrever veio, principalmente, das fanfics.

Existe um submundo de histórias e ficção de fã, muito além de histórias divertidas envolvendo pessoas famosas. Quem nunca ouviu falar do clichê da adolescente que sai de casa para ir ao Starbucks e acaba encontrando seu ídolo no meio do caminho? Um homem mais velho, talvez cantor ou um ator famoso, que tem milhões de fãs iguais a ela e que, óbvio, se apaixona pela mesma. Esse é o exemplo mais famoso dos clichês em fanfics, e não somente o mais famoso como também o mais adorado. 

Histórias geralmente escritas por adolescentes mais jovens, com personagens desde pessoas famosas na vida real até mesmo personagens de filmes, livros, séries. O mundo das fanfics é tão extenso e de combinações improváveis que se eu fosse listar cada uma delas, esse artigo teria bem mais de mil páginas. 

Menina lendo texto no Kindle - literatura erótica
Imagem: Unsplash

Literatura erótica e o mundo de conceitos

Mas, não apenas sendo mero delírio adolescente, com as fanfics e o crescimento delas vieram também ao mundo conceitos claros de misoginia e ideias antifeministas. O mundo literário ainda é cheio de preconceitos mesquinhos que por pouco não acabam de vez com a motivação de muitas escritoras.

Me explico: sabe quando dizem que cozinhar é coisa de mulher? Que mulher só serve para ser piloto de fogão, dona de casa, esse tipo de coisa. E, ainda assim, na gastronomia o que mais se encontra são homens, chefs de cozinha e donos de restaurante, porque a cozinha só é lugar de mulher quando se é amadora, porque profissional mesmo, só o homem.

Com a escrita acaba sendo a mesma lógica. Diariamente livros e histórias escritas por mulheres são alvos de críticas que nada estão relacionadas ao enredo em si, e sim ao fato de serem escritas por mulheres. E que isso justificaria a falta de habilidade no enlaçar da trama. Justificativas chulas de que as histórias não são válidas por conta da pouca idade de quem as escreve, de que não são histórias de verdade e de que existem milhões de outros livros que merecem mais atenção. 

Se tem uma coisa que aprendi desde a minha adolescência explorando o mundo literário virtual, é que escritora de fanfic consegue se unir e virar uma coisa enorme, tal qual um Transformer. 

E, apesar do título deste artigo, não é de qualquer literatura erótica que eu vim falar. 

Fanfics e erotismo

Depois de um tempo como histórias inocentes e divertidas, as fanfics cresceram em gênero e idade, assim como quem as escreve. Meninas que outrora escreviam sobre romances água com açúcar com seus ídolos de banda agora se tornaram mulheres espalhando seus desejos, dúvidas e curiosidades nessas histórias. Arrisco dizer que foi assim que nasceu a literatura erótica atual. Tenho esse pensamento porque, caso você não saiba, Cinquenta Tons de Cinza era uma fanfic da Saga Crepúsculo.

E.L. James, autora de Cinquenta Tons, era muito fã da saga de Stephenie Meyer. É claro que por conta de direitos autorais, todos os personagens tiveram de ser reformulados, mas se você prestar bem atenção há uma inegável ligação entre Edward Cullen e Christian Grey, entre Ana Steele e Bella Swan. 

Os livros eróticos existiam muito antes disso, mas foi com E.L. James que pipocou um novo jeito de escrever sobre personagens, sobre ficção de fã e também sobre personagens originais. Fez tanto sucesso que muita gente não entendeu exatamente sobre o que se tratava, pensando ser só mais uma febre de livros. Eu me lembro de comprar Cinquenta Tons de Cinza em uma Bienal e ficar escandalizada com a leitura. Eu era menor de idade. Eu nunca tinha lido um livro erótico na vida. Eu achei a leitura muito diferente do que qualquer coisa que eu estava acostumada a ler e não peguei no livro por semanas, me sentindo enganada. No fim das contas, presenteei minha mãe com o meu exemplar de Cinquenta Tons (e ela adorou).

Nascia ali um novo segmento na literatura dita como feminina, e livros assim fazem sucesso até hoje. Quando disse que o submundo das fanfics (e originais!) é um universo a ser explorado com afinco, quis dizer que existem livros que são verdadeiros best-sellers e que muito senso comum nem sonha que existe. 

Literatura erótica de mulheres para mulheres

A literatura erótica escrita por mulheres para mulheres e para nichos muito únicos, acaba sendo parte de uma emancipação do próprio mercado literário. É quase como um Clube da Luluzinha, no melhor sentido da comparação, de tão unidas que autoras e leitoras são. Nos livros, a sexualidade da mulher hétero — e é importante frisar isso — é explorada dos mais diversos jeitos, passando por tramas de suspense, mistério, envoltos em BDSM e em homens poderosos como fonte de desejo.

Embora eu ache válida a importância dessas histórias, não posso deixar de criticar alguns pontos chave que devem ser observados com cuidado: Se você buscar por “romances hot” na Amazon, que é como são classificados esses livros, quase todas as capas serão iguais. Um homem branco, padrão, sarado e meio pelado, segurando uma mulher branca, padrão, sarada e meio pelada. Quando não são apenas capas com o tronco dos homens exibindo tanquinhos perfeitos, e eu não estou exagerando: os cinco primeiros livros que aparecem na categoria durante minha pesquisa tem capas assim, muito parecidas entre si.

Foto erótica em PB - mulher sentada no colo de um cara - literatura erótica
Imagem: Pixabay. Essa imagem é livre de direitos autorais e está em muitas das capas de livros vendidos na Amazon.

É muito bom que a sexualidade da mulher hétero seja explorada na literatura, porque de fato a mulher hétero é uma das menos favorecidas em questão de prazer sexual. Sucumbindo a desejos masculinos há séculos, é bom que pelo menos em algum lugar, seus desejos sejam os mais importantes. Mas não deixa de me incomodar que a Mulher Hétero dessas histórias seja a Mulher Padrão.

Quando não é a Mulher Padrão, configuram também romances LGBT entre homens, Dois Homens Padrão. O romance hot gay está na lista dos mais consumidos do segmento também, logo atrás das histórias protagonizadas por casais héteros. Apesar da diferença entre sexualidades, as histórias tendem a seguir mais ou menos os mesmos moldes. Nesse caso, destaco ainda que muitas autoras pecam em fetichizar relações homossexuais, caindo em clichês que deixam de ser saudáveis e passam a ser problemáticos.

Inclusive, esse tipo de história com pessoas que não sejam padrão está tão em falta que não consigo pontuar nenhuma para dar o exemplo de como as coisas poderiam ser feitas. O que é, de fato, extremamente bizarro.

Romances hot

O mais interessante é que na Amazon e no Wattpad, as mulheres brasileiras dominam esse segmento. Autoras de romances hot seguem sendo as mais vendidas de e-books da Amazon, e figuram nas listas de mais lidos do Kindle Unlimited, programa de assinaturas do site que permite que você leia livros por um pequeno valor mensal. Já no Wattpad, site conhecido pelas fanfics e por histórias originais publicadas pelo próprio autor, a literatura erótica para mulheres consegue alcançar a almejada marca de um milhão de leituras facilmente. “Facilmente” no sentido de rapidez, uma vez que livros assim não demoram muito mais do que seis meses para ganhar as visualizações.

Não é um trabalho simples. Divulgar livros que ainda não foram impressos é tão complicado que autoras criaram grupos do Facebook e uma rede de divulgação de seus livros. A postagem é massiva, são vários grupos bombardeados todos os dias com imagens e trechos das histórias, tudo para cativar as futuras leitoras e encontrar vendas para a Amazon e visualizações para o Wattpad.

Até existem escritores de romances hot hétero que são homens, mas a quantidade é pequena e muitas vezes o público não os aprova, uma vez que tendem a diminuir a sexualidade feminina para expandir a masculina. Assim, perdendo todo o ponto do segmento, na minha opinião.

Histórias de mulherzinha?

E como a quantidade de livros é imensa e tem cenas de sexo em todos eles, as autoras se viram do avesso para criar tramas complexas e elaboradas que prendam a atenção das leitoras. Para isso o céu é o limite, levando a tramas envoltas em máfia, assassinatos, mentiras, fantasia urbana e ficção científica. Apesar das diferenças de enredo, os romances hétero seguem uma receita em comum na maioria das vezes: os personagens masculinos são homens poderosos, CEOs ou donos de impérios e extremamente misteriosos, com passados sombrios e que a mocinha inocente não tem a menor ideia de onde está se metendo, mas não consegue deixar de se sentir atraída por ele. 

O sucesso é o que sustenta um clichê, e se deu certo para vários, provavelmente vai dar certo para os outros, é verdade. Mas não se engane com as minhas comparações, se fossem livros iguais, eles não seriam tão populares. O que mantém o segmento como tão vasto é justamente a originalidade que cada autora consegue inserir em seu enredo.
São milhares de visualizações e milhares de vendas, e muitas vezes nas lojas de e-book os livros ultrapassam best-sellers como Harry Potter e outros livros internacionalmente famosos. Não acredita? É só ver a lista de mais vendidos da loja e-Book Kindle na Amazon.

Enquanto autores homens, héteros cis e brancos estão por aí criticando mulheres que vieram das fanfics, elas arranjaram um jeito de criar públicos enormes e uma forma de viver da escrita, chegando a fazer encontros em Bienais de Livro e a figurar na lista de mais vendidos, enquanto muitos desses homens, héteros cis e brancos ainda esperam uma publicação de suas obras que eles juram ser a melhor coisa do mundo, muito melhor do que essas “histórias pra mulherzinha”.

Sobre o Autor

Escritora de histórias de terror, fantasia & outras coisinhas mais, entusiasta da cultura geek e amante de gifs de gatinhos. Resolvi ser modelo pra aprender a fazer carão. (Não que tenha dado muito certo.)

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