Leona Jhovs no Pornolândia

Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Leona Jhovs, atriz e diretora. No episódio 16 da sexta temporada de Pornolândia elas conversam sobre a importância da representatividade e da voz de pessoas transexuais nas mídias e nas artes. Uma conversa esclarecedora que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay.

Nicole Puzzi com os braços para cima e Leona Jhovs ao lado

Nicole Puzzi: Ela é uma mulher com muitos talentos. Atriz, cantora e está iniciando uma carreira no cinema. Hoje vamos conversar com a Leona Jhovs, que vai falar sobre a importância da representatividade dos corpos trans na nossa cultura. E depois, vem a nossa sempre abusada Xgirl.

O nascimento de Leona Jhovs

Eu queria saber, é uma curiosidade, como é que você chegou até aqui, como é que você se percebeu como Leona Jhovs?

Leona Jhovs: Eu acho que o percebimento de uma pessoa transexual é muito individual. O time, cada um tem o seu. Eu acho que eu me percebi muito novinha assim, desde os meus 6/7 anos que eu percebia que era diferente da maior parte dos meninos. E mesmo ainda me identificando com alguns meninos afeminados, eu ainda percebia que tinha algo de diferente, porque eu não me sentia atraída por outros meninos afeminados.

O percebimento

Mas, o percebimento de uma mulher transexual aconteceu lá pelos meus 12/13 anos, que foi paralelo com esse momento que a gente começa a ter a baixa autoestima. Porque, eu comecei a perceber que a minha imagem não condizia com aquilo que eu sentia no meu interior. E tudo isso é um processo muito difícil assim, muito dolorido, muito dolorido. Eu fiquei evitando de trazer a mulher e performar a feminilidade que existia em mim, que é da minha natureza.

Aí, sei lá, quando entra na puberdade, os 18/320 anos também, porque tinha essa questão de eu me identificar e interessar por homens que não sentiam desejo em mim, porque eu não trazia a imagem que eles desejam. Então, geralmente eu me interessava por homens héteros. Como eu disse, eu nunca me interessava por homens afeminados ou homens gays, enfim, porque algo ali não era para mim. E talvez possa ser algo social, que eu ia desenhando meio que uma síndrome de Cinderela, digamos. E lá para os meus 25 anos que eu tive certeza do que eu era mesmo. Eu já vinha tendo, mas eu acho que, na verdade, não é o momento que eu tive certeza, mas o momento que eu percebi que se eu não transformasse a minha imagem no que eu sentia que eu era, eu não ia conseguir viver desta forma.

O teatro salva

E aí foi uma depressão muito forte, foi um momento que eu fiz as minhas malas para ir para a Califórnia, tudo pronto mesmo há dias. E eu estava concluindo um curso de teatro, uma diretora me assistiu e me convidou para viver uma personagem que era uma vedete da década de 70. E eu percebi ali que a Califórnia estaria ali para sempre, mas essa oportunidade, não. Então, eu digo que eu não sei o que seria de mim se eu tivesse ido. Mas, eu fui para não desistir da vida, porque eu pensei em desistir da vida, pensei em tirar a minha própria vida. E aí o teatro vem e salva a minha vida. E foi aí que a Leona realmente surge.

O futuro com medo ou esperança?

Nicole Puzzi sentada de braços cruzados.

NP: Você como corpo dissidente, você, quando olha o momento atual e o futuro, quando você olha para o futuro você tem esperança ou tem medo?

Leona Jhovs: Uau! Olha, essa pergunta, para mim, para os meus, a minha população, é muito doida de se responder. Porque, a gente vive em um país em que mais se mata pessoas trans e travestis no mundo. A cada 26 horas, matam uma mulher como eu ou um homem como eu, um homem trans. Somos suicidados, eu costumo falar. E a expectativa de vida para a gente é de 35 anos, enquanto para vocês é de 75. Então, amada, quando você me pergunta isso, eu tenho muito medo mesmo assim, muito medo. Eu tenho medo ao sair de casa e medo de fazer todas as funções naturais que um ser humano poderia fazer sem medo, mas eu tenho medo. As coisas na minha vida vêm acontecendo, não digo que são fáceis, porque não são. Mas, existe sim esperança, porque se não existir esperança, a gente não segue, né.

Leona Jhovs em Assassinato do presidente

NP: Eu queria que você falasse também sobre a tua peça “O assassinato do presidente”.

LJ: “O Assassinato do presidente” surgiu lá em 2013/2014 de uma vontade de falar sobre o momento político que a gente estava. Isso eu ainda estava assiduamente na Companhia Pessoal do Faroeste, eu fazia parte do elenco. Aí, eu com trocas com o Paulo Faria, a gente entendeu que abordar o tema que estava permeando a gente ali naquela época do golpe, né, contra a nossa Presidenta Dilma, era muito importante.

Aí a gente cria Ulisses e Penélope, a gente traz um pouco deste mito. Mas, a gente cria um pai e uma filha. É o maior assassino do século XXI, traficante e ele resolve matar o presidente na manhã seguinte. Mas, antes, ele convida a melhor prostituta do catálogo dele, que é a Penélope, a minha personagem. E aí, nesta troca entre eles, a Penélope descobre que ele é o pai dela e que ele a prostituiu esse tempo todo. E aí teriam que assistir para saber mais!

O cinema na vida de Leona Jhovs

NP: Agora vamos falar um pouquinho do seu trabalho no cinema. Você falou do teatro, mas está no cinema, não só como atriz. Como é que é esse percurso todo?

LJ: Pois é. Você vê, é muito doido falar sobre isso, porque é o que vem me alimentando para além do teatro. O cinema aparece na minha vida lá em 2014, quando me convidam a fazer um curta. E esse primeiro curta já me dá um prêmio de melhor atriz pelo filme “Works” da Academia Internacional de Cinema. Isso em 2015, aí eu gravei junto com o pessoal do Faroeste a “Luz Negra” o filme, que lançou a pouco tempo. Aí foram me convidando para fazer websérie, alguns outros curtas. Agora, em 2013, eu tive a sorte o prazer e a alegria do universo me trazer um parceiro chamado Yuri Bermudez, que é um diretor de cinema jovem. O Yuri me assistiu junto com a Laerte, porque eu participei do programa da Laerte…

NP: Laerte esteve aqui no programa.

Dar voz

Leona Jhovs com o queixo apoiado sobre a mão. Nicole Puzzi com a mão e o queixo sobre o ombro de leona.

LJ: Maravilhosa, né! Aí o Yuri me assistiu, ele tinha um roteiro e se identificou com a minha história, se identificou comigo. E aí ele começou a me procurar para fazer “Modelo Morto, Modelo Vivo”, que é o nome deste filme, que eu estou para além de protagonista, eu estou roteirizando e dirigindo com ele. O Yuri foi muito sensível, Nicole, de entender, quando ele começa a escrever um roteiro para falar deste movimento do corpo trans, do corpo travesti. E ter o contato comigo ele começou a entender que ele não poderia continuar a escrever este roteiro sem estar comigo ao lado. Porque, esse corpo falando é muito mais potente do que só sendo um corpo assistido.

NP: Sim!

A representatividade trans

LJ: Porque, existem matérias aqui dentro que só podem ser trazidas por esse corpo, que é o lugar da representatividade que a gente tanto vem falando e que é tão importante. Esse corpo precisa estar na frente das câmeras e, para além disso, esse corpo precisar criar as suas narrativas na arte, no teatro e no cinema. E é assim que eu chego no cinema agora também, como diretora e roteirista, como cineasta. Então, é isso, a gente precisa existir. E eu não estou falando só do teatro e do cinema não. Estou falando de todos os lugares sociais. Eu quero ver travesti e transexual médica, no supermercado, enfim. A gente precisa… ainda estamos no momento em que a gente precisa naturalizar a nossa imagem para parar de deixar de morrer. E aí o cinema, o teatro e a televisão tem essa missão grandiosa.

NP: A arte tem essa missão!

LJ: Sem dúvidas!

Os projetos de Leona Jhovs

NP: Eu queria saber dos seus projetos atuais, o que você pretende, como a gente encontra você.

LJ: O cinema é o que eu tenho me aberto mais agora, porque as coisas vêm chegando para mim e eu dou muita importância para elas. E eu entendo também a importância de deixar uma coisa de cada vez acontecer. Por mais que eu tenha um trabalho com o teatro e com o canto, se o cinema está acontecendo agora, eu procuro focar mais nele. Então, tem três filmes para sair ainda, que é “A diva e o coveiro” da Aline Resende, tem o “Não me chame assim” do Diego Migliorini e tem o “Modelo morto, modelo vivo” que é essa união minha e do Yuri Bermudez.

Então, esses três trabalhos estão para sair, mas já tenho roteiros escrevendo aí, dois outros roteiros que eu estou escrevendo que já me encomendaram. Tem também direção vindo por aí. E para me encontrar é nas redes sociais! leonajhovs_oficial no Instagram, Leona Jhovs no Facebook e é isso. As coisas vão acontecendo e eu vou abrindo as portas, as janelas, o coração!

NP: A mulher não para, gente! Essa mulher não para, é muito dinâmica!

LJ: Não posso né! Foram tantos anos esperando por tudo isso que está acontecendo que a gente tem que se jogar. Eu abri as asas e agora não quero fechar mais.

Inspiração

Nicole Puzzi com a mão na cintura e Leona Jhovs ao lado

NP: Meu amor, você vai voar muito! Eu amei você aqui comigo! Eu te amo, você sabe!

LJ: Que bom, porque eu também te amo! Assim, mesmo! Eu tenho em você uma referência muito grande, eu acho você uma das artistas do nosso cinema mais importantes, principalmente por essa questão de vencer o preconceito. Você viveu em um momento muito importante para a gente, para as mulheres. Eu acho que você traz um símbolo, um significado muito importante na luta do feminismo. Então, eu fico muito feliz e muito honrada de estar aqui de verdade.

NP: Eu é que fico muito feliz! Obrigada!!!

LJ: Que bom, que bom! Espero que existam outras várias!

NP: E agora nós vamos para nossa, adivinha! Xgirl, claro!!!

A nossa Xgirl

Xgirl Mel

E o programa terminou com a maravilhosa Xgirl Mel S., uma morena linda e gostosa! Ela ficou nua em um ensaio sensual que revela as nuances de seu corpo.