No dia 24 de abril desse ano eu me lembro de estar deitada no pé da minha cama, coisa que sempre faço quando estou entediada, e abrir a Netflix. Aliás, sempre detestei aqueles anúncios que pulam na nossa cara, e geralmente rolo a página para baixo quando percebo que algo começa a reproduzir automaticamente. Mas dessa vez o anúncio me interessou pelos primeiros dois segundos que assisti, e me vi parando para acompanhá-lo.
Se tratava da nova (nem tão nova agora) série da Netflix: Bonding. Ou, em português, Amizade Dolorida. Nota: eu fiquei uns dois dias chamando a série de Amizade Colorida até perceber que era Dolorida. Inclusive indiquei para outras pessoas falando o nome errado.
Mas por que será que me interessei pelo anúncio? Não é como se fosse, sei lá, uma mulher vestida de dominatrix segurando um chicote em uma sala cor-de-rosa cheia de acessórios fetichistas…
De dia estudante, de noite, dominatrix
Logo no início somos apresentados à protagonista de Amizade Dolorida. Durante o dia ela é Tiffany Chester, uma jovem estudante de psicologia mau humorada. Mas quando o sol se põe ela é Mistress May, dominatrix de um clube noturno.
A trama gira em torno de Tiff e Pete, seu melhor amigo do ensino médio que ela chama para ajudá-la nas sessões como assistente. Ao que parece os dois tiveram um caso cômico de amizade colorida (dessa vez é colorida mesmo) no passado, mesmo Pete sendo gay. A cena que explica a antiga amizade dos dois é bem engraçada e o desfecho disso, melhor ainda. Atualmente, no entanto, ele precisa de dinheiro e Tiff chega com a solução: ser seu assistente durante o atendimento, com as funções de limpar e organizar o material.
Acontece que Amizade Dolorida é uma série de comédia, então expõe esse pobre coitado sem informação a sessões de humilhação, chuva dourada e fetiches inusitados. A gente do meio sabe que para um leigo o que fazemos pode ser muito estranho, e explorar a parte cômica do trabalho com BDSM foi uma ótima sacada da Netflix.
Quando o BDSM toma conta da rotina
Para nós, é normal definir uma palavra de segurança durante a sessão, e combinar os detalhes do fetiche realizado. Mas imagine alguém cair de paraquedas num roleplay de sequestro cujas palavras de segurança são os nomes dos personagens dos Flintstones. Ou seja, hilário sem precisar de muito.
Sabe quando você conhece uma coisa nova e de repente vai descobrindo que essa coisa nova está sendo inserida na sua rotina, como se fosse coincidência? É exatamente isso o que acontece com o protagonista e o mundo dos fetiches. Um dos momentos mais divertidos da série é quando Pete, depois de já ter iniciado como assistente de dominatrix, se vê entre o seu colega de apartamento e a namorada, que se recusa a fazer fio-terra no parceiro. É uma cena incrível que retrata, de forma descontraída, o que é o prazer anal e que isso não tem nada a ver com sexualidade.
Além disso, para piorar mais ainda a situação do Pete (como se já não bastasse isso tudo que eu falei!), ele ainda é um comediante de stand-up tão frustrado que nunca conseguiu subir ao palco.
Tiffany é interpretada pela atriz Zoe Levin e Pete é interpretado pelo ator e comediante Brendan Scannell. A atriz D’Arcy Carden, a Janet de The Good Place, faz uma participação especial na série.
Pontos fortes de Amizade Dolorida
A primeira coisa que notei, mesmo no trailer, foi – você vai achar isso clichê – a beleza da fotografia e todo o figurino da série. É tudo muito bonito e parece que foi bem pesquisado, pelo menos essa parte. Assim, o BDSM já não é mais tão desconhecido da grande mídia graças ao sucesso de Cinquenta Tons de Cinza, mas é sempre legal quando a gente assiste algo e pensa “Puts, eu sei o que é isso!”, né?
Látex, chicotes, cordas, até mesmo os plásticos de proteção estão retratados ali, no “escritório” da Mistress May e também nos atendimentos que ela faz em casa. Eu gostaria de roubar o armário inteiro dela pra mim, aliás.
Para os pontos fortes eu preciso ressaltar, além da fotografia e do figurino, a duração da série. São apenas 7 episódios de 15 minutos cada. E sei, isso geralmente é motivo de reclamação, mas o que me deixou intrigada foi justamente essa falta de informação inicial. Não temos uma cena explicando tudo o que está acontecendo, as coisas só acontecem. Não temos pessoas se apresentando além do trailer, temos apenas as pessoas. Me senti em um desses videogames indie que não tem história e quiçá te ensinam os controles.
Amizade Dolorida ainda tem algumas frases de efeito que eu gostei muito. Eu sou louca por frases de efeito, deve ser mal de escritora. Na série, Tiff insiste em dizer tanto para Pete quanto para os clientes que o seu trabalho não envolve apenas sexo, que é sobre libertação e sobre aprender a psique humana. E acredite, isso é algo que todos nós vivemos dizendo, então eu adorei me ver ali, na personagem. Sem contar que ela mesma estuda psicologia, o que casou muito bem com o enredo.
Pontos fracos de Amizade Dolorida
Eu sou suspeita, gostei da série, então encontrar pontos fracos para Amizade Dolorida foi difícil. Depois de alguma pesquisa acabei descobrindo que parte da comunidade BDSM se incomodou com algumas inconstâncias, dentre elas a falta de pesquisa da Netflix sobre os atendimentos, que no fim acabam sendo mais cômicos do que mostrando a realidade propriamente dita.
Dito que a série é uma comédia dramática carregada de um humor ácido (que às vezes chega até a doer), eu não duvido que isso tenha sido proposital, mas é interessante saber que Amizade Dolorida foi baseada nas experiências pessoais de seu criador, Richard Doyle.
Por fim, se ela fosse divulgada como uma espécie de autobiografia cômica, acho que teria livrado a Netflix de alguns comentários negativos.
Minha nota final: ou seja, é divertido, é rápido e o final é surpreendente. Como aquela transa rapidinha que você não estava dando nada e de repente se torna uma ótima lembrança. O final da primeira temporada deixa um gancho para uma segunda, e eu espero que a série seja renovada porque mesmo em 7 episódios de 15 minutos eu já senti uma enorme conexão com Tiff e Pete e quero muito saber o que vai ser dessa amizade dolorida.
Este artigo não necessariamente representa a opinião da Xplastic.