Desde que o homem descobriu sua parte ativa na reprodução, as mulheres tem seu corpo e sua sexualidade reprimidos e sua figura tida como propriedade. Mas sempre tem aquelas pessoas que vão para o lado contrário! O lado oposto é o lado do questionamento e da subversão. A expressão da sexualidade feminina e a censura, em contrapartida, tentava barrar o pensamento revolucionário de mulheres livres.
Ser mulher. Ter desejos de mulher. Ter uma vagina. Gostar de outra mulher. Mulher. Talvez ser mulher seja o maior ato de resistência nesta sociedade falocêntrica.
Por que não?
Os anos sombrios de censura
O Brasil passou por um período de ditadura que começou em 1964, com um golpe militar, e perdurou até 1985. Esses anos foram marcados por restrições, moralismo, militarismo e o crime da arte, a censura.
Se falar sobre sexo era tabu, imagine uma mulher falando sobre isso? As mulheres deveriam seguir à risca as estruturas estabelecidas socialmente, que implicavam em uma postura de submissão à figura masculina, seja do pai, irmão ou marido. Dessa forma, pode-se inferir que a sexualidade feminina não era nem um pouco estimulada ou incentivada.
Casar virgem, fechar as pernas, ser menos histérica, ser uma dama, dar-se o valor. Moldes e mais moldes que modelavam as ações das mulheres. Mas, algumas delas resolveram tomar sua própria forma e expressar sua sexualidade, seus desejos e prazeres.
Nesse contexto, trago duas autoras que escreveram sobre o sexo em plena ditadura militar, quebraram paradigmas e transgrediram o pensamento da época. Elas questionaram!
Cassandra Rios – a escritora maldita
Cassandra Rios, uma mulher lésbica, publicou aos 16 anos seu primeiro livro chamado “A Volúpia do Pecado”, sendo a primeira autora do país de romances eróticos voltados ao universo homossexual feminino.
O fato de ser assumidamente lésbica, falar sobre erotismo e colocar em suas obras um conteúdo considerado pornográfico lhe rendeu o maior crime para um artista: a censura. Por essas características literárias, Cassandra ficou conhecida como a “escritora maldita”, pois tratar da sexualidade feminina e ser homossexual era uma afronta ao moralismo pregado pela ditadura militar.
“A sociedade rotula o homossexual como cachaça de macumba, não como uísque”.
Nesse período, cerca de 30 das suas 50 obras foram barradas pela censura. Mas ela não se absteve e criou o livro “A Santa Vaca de raiva”, que, segundo Cassandra, de tanto a chamarem de pornográfica, ela fez pornografia.
Ameaça ao regime – a sexualidade feminina e a censura
Por que ela era vista como perigo aos olhos dos militares? Além de sua sexualidade, que era considerada imoral, a sua popularidade era grande! Rios foi a primeira escritora brasileira a vender um milhão de livros, marca atingida nos anos 70. Ela superou escritores consagrados como Clarice Lispector, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Um verdadeiro perigo de mulher!
E para sobreviver com sua literatura, Cassandra, que já era um pseudônimo de Odete Rios, passou a assinar seus escritos como Oliver Rivers. E o engraçado, mas nada diferente do que comumente acontece, Odete conseguia publicar seus livros igualmente eróticos com seu nome masculino sem que fosse censurada.
Para a mentalidade pregada pelo regime ditatorial militar que se instalou no Brasil, a temática da sexualidade significava a degradação dos valores morais e simbolizava uma destruição da segurança nacional.
Mas, claramente, falar sobre sexualidade tem um peso muito maior quando se trata de uma mulher falando sobre desejos, sobre a visão feminina do sexo e expressando seus instintos. No mesmo período, homens que escreviam sobre erotismo obtiveram sucesso e ainda são referência no assunto, como aconteceu com Nelson Rodrigues.
Mas, com todo seu potencial subversivo, a “escritora maldita” deu o primeiro passo para a discussão da sexualidade feminina e questionamento das estruturas sociais. Por que a mulher não?
Adelaide Carraro – a jovem transgressora
Pouco se sabe sobre Adelaide Carraro, uma escritora paulista também marcada pela censura. Desde muito cedo ela escrevia e aos 13 anos ganhou seu primeiro prêmio pela publicação do conto intitulado “Mãe” em um jornal de Vinhedo, sua cidade natal.
Sua história e suas obras são dificilmente encontradas devido às grandes perseguições dos militares. Trata-se dos anos de chumbo, período de governo de Emílio Médici, o mais repressivo governo da ditadura. A autora teve cerca de 11 livros censurados na década de 1970.
Adelaide também foi considerada pornográfica. E ser pornográfica é expor o que “não pode ser público”. Em seu livro “Mulher Livre” é possível encontrar relações sexuais “convencionais”, orgias e cenas de abuso. A mulher representada nessa obra é o exemplo do que se era essencialmente reprimido. Carraro buscou representar a sexualidade feminina e a censura a tentou barrá-la.
Mas, o que se é esquecido que existem diversos tipos de mulheres, diversas formas de ser mulher. Ser mulher é muito mais complexo do que os padrões estabelecidos, regras sociais e comportamentais. Mas só existe uma mulher para a simplista censura.
“Se a fruta não fosse proibida, alguém se importaria de dar uma mordida?” -Candida Royalle