Você não é a pornografia que você consome, mas pode se tornar tão ruim quanto ela.
Ser um viciado em pornografia no século XXI é uma situação muito diferente do que era na época do seu tio tarado (todo mundo tem um).
Antes do fácil acesso à banda larga, vídeos e fotos não podiam ser acessados a ponto de afetar a vida de uma pessoa compulsiva da maneira massiva que acontece hoje em dia.
Uma analogia feita pelo Project Know é perfeita para entender o que exatamente é a compulsão patológica:
“Viciados em pornografia isolam-se de maneira semelhante aos viciados em substâncias químicas. Alguém que é viciado em pornografia pode passar várias horas sozinho olhando conteúdos pornográficos”.
Além disso, não conseguir trabalhar, se relacionar sexualmente e amorosamente e afastar-se dos amigos por causa da pornografia são sinais que estão ligados à compulsão.
Não é o seu caso? Eu torço para que não seja e, se for, procure ajuda de um terapeuta. No entanto, basta acessar o pornô comum (quem nunca? Aliás, quem sempre?) para estar sujeito a ser presa fácil de diversas concepções erradas sobre sexo.
Ok, ao mesmo tempo que refletimos ideias tiradas do porn que vemos, o porn que vemos costuma refletir noções sociais opressoras sobre os corpos, prazeres, limitações e sentimentos.
Por exemplo, a partir de um determinado momento, lá pelos anos 90, boa parte da pornografia passou a trazer somente homens e mulheres depilados, ou completamente lisos.
Paralelamente, fomos educados a pensar que a depilação íntima é sinal de higiene e é o único tipo de beleza aceitável para nossas partes baixas. Boa parte dos trabalhadores da indústria pornográfica que não estiverem a fim de passar pelo ritual periódico de depilação terão dificuldades frequentes para conseguir trabalho. Da mesma forma, rapazes e moças peludinhas terão que aturar expressões de rejeição sobre seus pelos.
Um raciocínio semelhante pode ser estendido à forma física, ao tamanho dos paus, tetas e bundas, ao orgasmo feminino (ou à frequente inexistência dele nos filmes), à facilidade irreal em conseguir sexo que a pornografia transmite, à brutalidade quase sempre aceita e desejada pelas mulheres do porn, enfim, muito rolê errado.
E atire aqui a primeira pedra quem nunca se viu reproduzindo algum desses padrões em sua própria vida sexual. O sexo, quando se transforma em produto, é algo que pode nos tornar seres mais robotizados, fazendo as regras do mercado se enfiarem nas nossas relações.
Claro, existem “N” outros fatores além da pornografia atuando na construção das nossas preferências e das escolhas que fazemos para que o outro nos aceite sexualmente. No entanto, um recente estudo com usuários moderados da pornografia mainstream mostrou algumas relações interessantes:
- O consumo regular de pornografia pode desgastar seu sistema de recompensa. Pessoas com um alto consumo de pornografia precisam sempre aumentar o nível de estimulação para se satisfazerem. É fácil entender essa conclusão se pensarmos no padrão repetitivo e absolutamente irreal dos filmes tradicionais. E as chances de sentir necessidade de ver um pornôzinho o tempo todo só aumentam, bem como as chances de não conseguir se satisfazer sem a presença dele, seja sozinho ou com um parceiro.
- Quanto mais pornografia comum uma pessoa consome, maiores as chances de apresentar hipofrontalidade. O termo é frequentemente utilizado para descrever o processo que faz os vícios enfraquecerem nossos circuitos de auto-controle. Quem não tem auto-controle não sabe lidar com a dificuldade de conseguir sexo e isso pode fazer um cara pensar que aventuras vão magicamente acontecer como nos filmes – e se frustrar quando perceber que não é bem assim. Péssimo, não?
- Uma terceira constatação: quanto mais pornô ruim, mais o indivíduo sente necessidade de estímulos pesados. Ocorre uma dessensibilização: o sexo com parceiro repetido, ou sem aquelas altas loucuras dos filmes, tende a parecer cada vez mais sem graça.
Entrevistei Suazi, que tem 29 anos e atualmente só consome pornografia amadora. Essa decisão foi tomada a partir de certos incômodos e de uma tentativa de ser coerente com as próprias ideias:
“comecei a perceber que estava me masturbando demais e sempre sem energia. Aí comecei a falar com amigos sobre isso e li um ou outro artigo que falava sobre o excesso que deixa a masturbação meio anti-natural, forçada, obrigatória, etc. E li outros que falavam os males do excesso de pornografia. Vi também vídeos sobre a idéia do formato machista da pornografia mainstream. E meio que cortei isso. Hoje me masturbo com estímulos mais humanizados, como fotos que garotas me mandam em grupos ou em conversas com amigas, às vezes blogs”.
Ou seja, Suazi largou o sexo-produto e passou a consumir a o sexo-arte que suas amigas fazem. Você pode ser gorda, pode ser negra, pode ser uma pessoa mais velha, pode ser um cara com um pau pequeno ou ter todos os piercings e tatuagens do mundo e mesmo assim, contra todos os ditames, produzir materiais que serão o foco do tesão de alguém.
Para quem tem o mesmo dilema que Suazi teve, o amadorismo não é a única solução. A pornografia alternativa também é capaz de extrapolar os padrões broxantes do que é oferecido pelo grande mercado. Enfim, explorem 😉