Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Virgílio Roveda, diretor de fotografia. No episódio 1 da terceira temporada de Pornolândia eles conversam sobre o cinema nacional, pornochanchada e a ascensão do sexo explícito nas produções brasileiras. Uma conversa divertida que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay.
Nicole Puzzi: Nada como encontrar um velho amigo, uma pessoa querida, que não só fez parte da sua vida, mas que também fez parte da história do cinema brasileiro. Não é à toa que ele é conhecido como Coringa do Cinema nacional. Ele é do tempo que fazia cinema quem amava cinema. Então, não importava ser câmera, ator, figurante, diretor de fotografia, nada! Importava estar fazendo cinema. Eu vim passar uma tarde na casa do gaúcho carinhoso, Virgílio Roveda, que vai contar tudo sobre os primeiros passos do cinema popular no Brasil, a nossa deliciosa Pornochanchada. E falando em delícia, a xgirl de hoje está arrebantando!
As lembranças do cinema
Virgílio Roveda, sabe que eu sou apaixonada por todo mundo do cinema da minha época, da Rua do Triunfo, né. Consequentemente, sou apaixonada pelo Roveda. Sou muito apaixonada. Lembro muito bem de você na chamada Triunfo. Aquela foi uma época maravilhosa. Mas, antes de falar da Rua do Triunfo, eu queria saber como é a sua lembrança mais antiga de querer fazer cinema.
Virgílio Roveda: Foi na época que, ao invés de ir para a aula e ia para o cinema, eu e mais dois colegas.
NP: Matava aula e ia para o cinema.
Virgílio Roveda: É. Só não ia na segunda-feira porque a programação era a mesma, o filme já tinha passado no domingo. Mas, não acompanhava. A minha cidade, Vacaria, no Rio Grande do Sul, tinha dois cinemas, o Cine Real e o Cine Guarani. Não sei porque cargas d’água, no cine Guarani tinha uma programação mais intelectualizado, mais europeu, Buñuel, cinema italiano, Tonioni e vai aí a fora essa turma toda. Godard, Leluck, Dufaux uma programação assim. E eu cheguei num ponto e pensei “vou partir para essa, vou fazer cinema”. Mas sabe, cinema não aquele tipo de cinema, eu nem frequentava o Cine Real de vez em quando, porque era onde passava “Bang Bang”, “Kung Fu”, essas coisas.
NP: Spaghetti italiano, né?
A entrada para a cinematografia
VR: ainda não estava na moda na época,, mas eu achava tranqueira. Chegou um momento que eu… eu tive que optar, porque eu morava numa cidadezinha pequena, que tem meia dúzia de fazendeiros que mandam na cidade e o resto é resto. Peguei uma carona em um caminhão e fui parar no Rio de Janeiro, porque a nossa referência no Rio Grande do Sul era Rio de Janeiro, São Paulo não tinha muita importância.
Quando eu estava retornando, em um boteco qualquer para tomar café me aparece uma figura. Um cara barbudo, magrelo, terno azul, colete e camisa branca, ladeado por duas mulheres bonitas e mais um cara baixote. Eu perguntei quem é esse cara aí. Perguntei para um cara que estava com ele por ali. “Esse é o Zé Mojica Marins, o Zé do Caixão, famoso, você não conhece?”. Eu falei “não tenho a menor ideia, né”. “Nós temos um estúdio aqui encostado, pipipi” esticou a conversa, jogou… E eu naquele lugar, era o que eu estava querendo, o que eu estava procurando.
NP: Então, a sua porta de entrada para o cinema foi o Mojica.
VR: O Mojica, na Sinagoga lá no Casemiro de Abril. E a partir dali, vamos começar a fazer e tal. Ali já “marquei no mês de março, eu ia começar uma filmagem de um filme chamado “Diabo de Vila Velha” e eu “Em março eu estou aqui”. Eu apareci, engatei, e estou aí até hoje.
Virgílio Roveda – o coringa do cinema nacional
NP: Tem tudo isso descrito em um livro, um livro que o Matheus Trunk escreveu junto com você. Livro “O Coringa do cinema”.
VR: O coringa do cinema porque eu fiz de tudo! Cheguei a ter distribuidora, montei uma produtora, fiz dois filmes. Um, inclusive, ganhamos um prêmio no festival da Suécia, Leopardo de Bronze, 1981, chamado “Rosa da estrada”. E depois eu produzi um outro, que deu uma rana violenta. Não vi o dinheiro, porque me deram um chapéu, naturalmente, porque tem isso.
NP: Tem até hoje.
VR: Tem muito. Um dos poucos que conseguiam trazer o dinheiro para as próprias mãos, era o Mazzaropi. Fora disso, o Galante, o Augusto que tinha uns negócios de territórios assim. Mas, eu acabei dançando, porque foi para a justiça, demorou como sempre demora. O que aconteceu? O cara foi condenado, até a doutora Clarina que era a advogada que estava me representando, ela disse “a gente vai ganhar, agora eu não sei se a gente vai levar”. E não levamos, tomamos um chapéu, porque, quando foi decretado que ele deveria pagar uma quantia que dava muito bem para eu continuar produzindo, o cara não tinha mais nada. Ele já tinha passado tudo para a família, terminou na miséria, porque fizemos vaquinha para enterrar ele.
NP: Você fez vaquinha para enterrar ele ainda?
VR: Eu não fiz, eu participei.
Virgílio Roveda e a opinião sobre o cinema brasileiro
NP: Você acha que existe espaço no Brasil de hoje para o surgimento de um cinema popular, independente e totalmente nacional como foi na época da Ponochanchada?
VR: Não, não temos. Estamos em um território ocupado. Isso vem há séculos, um território ocupado por um cinema estrangeiro de uma procedência que está dominando. É lógico que a maneira como é conduzida, porque temos muitos empresários, produtores, diretores… A competência nós temos absolutamente. Não temos empresário que atue diretamente na exibição. Em uma reunião no Sesc Augusta, que eu tentei levantar essa bola, a questão de comercialização e negócio, produto, o cara disse “aqui eu não posso tratar desse assunto”. E o jovem que estava fazendo o primeiro curta, TCC sei lá eu, na saída lá ele falou “eu quero fazer meu filme, o resto não me interessa”. É um paradigma, é um dogma que o cineasta não pode tratar da parte de comercialização do filme.
NP: Verdade!
VR: E não querem. Quando culpam a mídia, vão na frente da televisão não são capazes de defender essa tese.
A chegada do sexo explícito
NP: A chegada do sexo explícito no Brasil, você acha que afetou muito… é claro que afetou muito o cinema nacional.
VR: Bom, tanto é que acabou o Cinema da Boca paulista. Dezenas, digo até centenas de pessoas, se afastaram. Eu fui para a publicidade gravar filme publicitário.
NP: Eu fui para a televisão.
VR: Por que? O sexo explícito interessou para os exibidores. Depois liberaram de mandado judicial, liberaram os filmes estrangeiros, que deu muito dinheiro. Eu fiz um filme maravilhoso, eu acho muito bonito, chegou no balcão da exibidora e simplesmente “tem sexo explícito?” eu falei “não”, “Então tchau”. A única salvação daquele período que estava sendo produzido, tiveram que fazer enxerto. Entrava em uma paranoia qualquer e sonhava com alguma coisa erótica, aí filmava uma cena de seis minutos, dez minutos de sexo explícito e jogava lá no meio, acha um lugar, enfiava.
NP: Virgílio, foi um prazer conversar contigo! Desde a primeira temporada que eu queria que você participasse, você e a enciclopédia do cinema que você é! Foi um prazer, quero agradecer muito a sua participação aqui no programa. Muito obrigada, mesmo!
VR: Obrigado vocês, obrigado aos espectadores e eu estou sempre defendendo o nosso cinema, seja em qualquer lugar e em qualquer circunstância!
NP: E agora nós vamos para a nossa Xgirl em homenagem ao Virgílio.
A nossa Xgirl
E o programa terminou com a maravilhosa Xgirl Letícia Müller, uma morena linda e gostosa, que ficou nua em um ensaio sensual super delicado que mostra que a doçura pode ser extremamente excitante.