Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Valter José, filósofo e pornógrafo. No episódio 9 da segunda temporada de Pornolândia eles conversam sobre as fases da pornografia. Uma conversa divertida que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay.
Nicole Puzzi: Ele é filósofo e pornógrafo, fez doutorado em filosofia alemã na USP, dirigiu filmes como “Eróticas criaturas”. Estou falando de Valter José, um filósofo pornógrafo, ou pornógrafo filósofo. Ele é bastante polêmico, ele não tem medo de falar o que pensa e não se preocupa se faz inimigos. Nós vamos conversar com ele daqui a pouquinho, mas antes, claro, você vai ver a nossa Xgirl de hoje.
O que veio primeiro, Valter José?
NP: Valter José, o que veio primeiro em sua vida, a filosofia ou a pornografia? Ou seja, você é um pornógrafo filósofo ou um filósofo pornógrafo? Se defina!
Valter José: O que veio primeiro foi a filosofia. A pornografia veio posteriormente. Eu me considero um filósofo pornógrafo.
A pornografia e a arte
NP: Nós sabemos que a pornografia pode ser arte. Você costuma misturar pornografia com arte nos seus filmes? Faz questão?
Valter José: Eu faço, porque a pornografia quando começou era uma espécie de paródia do cinema. Os primeiros filmes norte americanos pornográficos dos anos 70 eram principalmente paródias. Eram paródias do 007, tinha até um que era uma paródia do livro do Voltaire o “Cândido, o otimismo”.
NP: Nossa, adoraria ver. Adoro Voltaire!
Valter José: Do Alex deRenzy. Chamava Pretty Peaches, era baseado em Voltaire.
NP: Vou te contar uma novidade: eu fiz Pornochanchada!
VJ: Ooooh!
Esquema cinema
NP: E o esquema de produção, é o esquema de cinema, né. Você tem diretor, diretor de arte, cenógrafo, continuísta, diretor de fotografia, enfim. E aí se fazia Pornochanchada, mesmo a pornochanchada mais simples tinha todo este esquema. Você acha que a pornografia virou atividade de produtor preguiçoso?
VJ: A grande virada da pornografia, do cinema pornográfico, foi a entrada do John Stagliano. Foi ele que inventou o chamado, não era assim na época, ele é considerado o cara que inventou a nova forma de se fazer pornô, né. Que é um cara com uma câmera, sem praticamente luz, luz natural, sem diálogos, tudo bem natural. Então, ele foi um dos primeiros e a partir disso a produção pornográfica mudou. E foi, realmente, se tornando mais simplificado.
NP: Eu acho que falta um pouquinho de arte mesmo.
VJ: Falta um pouco de olho. Até um cego faz pornô. Na pornochanchada você falava “isso é o Mário Vaz, isso é o Jean Garrett“.
NP: Nossa, o Jean era…!
VJ: Então, você chega no Mário Vaz e fala “Marinho, o que você fez?” e ele fala “Aqui eu lembrei do cinema norte americana, eu coloquei um plano aqui, dei um corte ali, coloquei uma luz ali”. O que cara tem o que falar. Se você chegar para um cara do pornô “que plano você usou?” ele “Eu vi esse plano, porque o produtor falou que não é para gastar muito tempo para gravar a cena”.
A invasão do sexo explícito
NP: E você acompanhou de perto a mudança da Pornochanchada para a pornografia. Me fala um pouquinho sobre isso.
VJ: Sim. Na verdade, nesta época, eu assistia quase todas as pornochanchadas, porque eu ia praticamente todos os dias do Cine Bretagne, eu ia em todos os dias do Cine Marrocos.
NP: O Marrocos, nossa!
VJ: Lindíssimo! Eu encontrava sempre lá alguém que você deve lembrar: Rubem Biáfora.
NP: Nossa!
Vj: Eu pensei comigo, se Rubem Biáfora assiste, eu também vou assistir, porque ele sabe tudo! E ele também está aprendendo, eu também vou aprender. Ele era o único jornalista que falava bem da Pornochanchada no Estadão.
NP: Deixa eu falar uma coisa, quem falava mal estava sendo pago pelas empresas multinacionais que tentaram desbancar a Pornochanchada. Tanto é que usaram a alcunha Pornochanchada, eu falo isso no meu livro, eu escrevi um livro e vou mandar para você.
VJ: Por favor!
Nomenclaturas
NP: Eu escrevi um livro chamado “A Boca de São Paulo”. Eles tentaram desbancar a Pornochanchada, aí colocaram, o tipo de cinema, aí colocaram essa alcunha de Pornochanchada.
VJ: Porque as salas eram lotadíssimas.
NP: E impediam que os filmes internacionais entrassem nas salas.
VJ: Duas horas da tarde na segunda-feira.
NP: No Cine Marabá 1000 lugares.
VJ: Outra coisa, o que a Globo Filmes está tentando fazer?
NP: Pornochanchada!
VJ: Está tentando fazer Pornochanchada. Aquela porcaria lá “Se eu fosse você”. Aquilo é uma pornochanchada mal feita. Então, a “Coisas eróticas” foi quase uma chuva de pedras, porque ela entrou de maneira abrupta mesmo. Porque, eu achava que a pornochanchada iria para a pornografia mais devagar.
NP: Eu também achava isso.
VJ: Seria mais divagar, uma transição lenta. As “Coisas eróticas” caíram como uma pedra, uma tromba d’água, bum. E aí, em um outro dia, logo depois, muita gente estava fazendo pornografia. Entretanto, o Alfredinho Sternhein e o Juan Bajon começaram a fazer um cinema pornô com uma levada de pornochanchada, mas ao mesmo tempo de mostrar costumes paulistas.
A Vênus e Valter José
NP: Você acompanhou como facilitador uma visita temática chamada “Obras para adultos” na exposição Em Nome dos Artistas na Bienal de São Paulo. E comentou exatamente esta obra “Vênus after Sasha Grey” que foi uma atriz pornográfica e depois foi para Hollywood. E eu queria que você comentasse um pouco a importância desta obra, o significado desta obra para que ela estivesse dentro de uma Bienal, um assunto pornográfico dentro da Bienal.
VJ: O artista aproveitou o perfil, porque a Sasha Grey tem um perfil muito próprio. Porque, na verdade, ela tem um estilo que a gente chama em Los Angeles de cross over. Cross over é uma atriz pornô que trabalha no cinema convencional, ela tem boas relações com o pessoal da literatura, ela conhece poetas e tal. E, ao mesmo tempo, ela tem essa via pornográfica. E esse autor aproveitou isso e tentou mostrar através dela, até de maneira poética, esse deslocamento que há no mito. O mito da Vênus que é saída das águas , é uma ninfa. E ele desloca, ela faz da Sasha Grey essa vênus. Ele trabalha nessa proliferação de imagens e desloca essa imagem, deixando muito claro o fim da mitologia ou início de uma nova mitologia.
Atriz pornô e de Hollywood
NP: Gostei desta imagem da Sasha Grey, porque a mente medíocre não aceita a evolução e revolução das pessoas. Uma atriz de pornochanchada só pode ser atriz de pornochanchada; uma atriz erótica, uma atriz de pornografia só pode ser atriz de pornografia, tem que ser o resto da vida atriz de pornografia. Isso é muita mediocridade. Agora, para a gente encerrar a nossa conversa, para que ser a pornografia?
VJ: A pornografia tem sempre que ser um sentido jocoso. Tem que ter o sentido lúdico e jocoso. A pornografia é, principalmente, divertimento. Por isso que um dos principais problemas da pornografia hoje, principalmente a dos EUA, a pornografia se tornou muito séria. A gente percebe que em algumas cenas, digo o nome dele, o Rocco, as cenas geralmente são muito duras, são quase desesperadas. Então, quando eu vejo este tipo de cena, este tipo de cena tira um pouco a leveza e a alegria da pornografia.
NP: Valter, muito obrigada!
VJ: Eu que agradeço.
NP: E falando em pornografia, nós vamos ver essas duas meninas, a Sweetie Bird e sua assistente, fazendo muita pornografia na cozinha.
Cozinha ao ponto
E este episódio termina com a receita de Quiche de espinafre, preparado pelas deliciosas tatuadas Sweetie Bird e Grazzie!