Tudo o que você queria saber sobre o pornô para mulheres mas ninguém queria te contar.
O desejo é pessoal, surpreendente e misterioso tanto para mulheres quanto para homens. Nossas taras e fantasias são às vezes inconfessáveis, outras muito simples e básicas, como se excitar com alguém te falando putaria ou chupando um sorvete.
Por isso há tantos equívocos e dúvidas quando se fala em pornografia feita para mulheres.
Que seria isso? Afinal, há uma infinidade de desejos que habitam o universo feminino, e cada mulher pode ficar atraída imagens e práticas totalmente diversas umas das outras. Inclusive, tem aquelas que gostam do pornô tradicional, em maioria esmagadora feita por homens e para homens. Uma pesquisa feita pelo PornHub em 2017 revelou que no Brasil as mulheres representam 35% de acessos em sites como o próprio PonHub e o Redtube.
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O interesse pelo pornô para mulheres
O interesse das mulheres pela pornografia é inegável, mas o consumo deste tipo de filme como é feito provoca questionamentos éticos sobre apoiar uma indústria machista que objetifica e humilha mulheres.
Desde a década de 70 existe um debate ideológico e político entre a ala do feminismo radical e o liberal. O primeiro defende a extinção da pornografia, enquanto o segundo acredita que é possível ocupar um espaço na pornografia para justamente romper com os estereótipos nocivos às mulheres. Para a canadense Wendy McElroy a pornografia e o feminismo advogam em prol de uma causa comum: a liberdade sexual da mulher.
Estética, ideologia e política
Tem mulher que diz que pornô para mulheres é esteticamente mais bonito, ou que tem enredo, ou que é mais delicado ou mais romântico. A verdade é que pode ser tudo isso, mas não só isso.
A questão essencial para considerar um filme pornô diferente do tradicional está além da estética ou da temática. Trata-se do olhar, do ponto de vista que leve em conta o prazer feminino e o bem-estar das atrizes desde os bastidores.
“Pornô nao é só pornô. Pornô é um discurso. Sobre sexualidade, sobre masculinidade, feminilidade e os papéis que desempenhamos”, definiu Erika Lust, talvez a mais conhecida diretora de pornô para mulheres atualmente, durante um TED Talks.
Outras muitas diretoras como ela, que vem surgindo nos últimos 30 anos, buscam produzir filmes onde possamos ver diversidade de corpos e temáticas, com a regra de que todo mundo sinta prazer e goze.
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“Eu não acredito que haja uma pornografia feminista, acho que existem mulheres feministas fazendo pornografia. Mas acho que não dá pra montar uma lista de características de pornografia feita por mulheres.
Acho que somos muitas e somos múltiplas e cada uma vai ter um gosto completamente diferente”, reflete May Medeiros, diretora de filmes pornô para mulheres e sócia das produtoras XPlastic e Luz Vermelha.tv.
Em uma entrevista ao especial Transe, da VICE Brasil ela completou: “Senti a necessidade de ver uma coisa que ninguém mais estava fazendo, então fui produzir”, conta a diretora.
Para profissionais como May chegarem até aqui, outras como a americana Candida Royalle ousaram assumir o lugar atrás das câmeras a partir dos anos 80. A vontade de dar voz ao desejo feminino dentro da pornografia é o que motivou todas as diretoras que foram ganhando cada vez mais reconhecimento e público nos últimos 30 anos.
Pioneira, Royalle atuou em produções durante a década de 70 e sempre foi muito ativa em movimentos feministas. A decepção com parte do feminismo chamado radical, que defendia acabar com a pornografia para alcançar a libertação sexual, foi um motivo que pesou para que ela se empenhasse em mudar a forma como a mulher era representada na indústria.
“Comecei a sentir que raiva e acusações estavam substituindo os sentimentos de propósito e camaradagem que eu havia experimentado com minhas irmãs feministas”, declarou no livro The Feminist Porn Book: the politics of producing pleasure, de Candida Royale.
A transformação em negócio
Candida criou a produtora Femme Productions, em parceria com a fotógrafa Lauren Neimi, fazendo pornô para mulheres e casais.
Deu liberdade aos atores e atrizes para escolherem com quem atuar e procurava saber suas fantasias para incluir nas cenas.
Paralelamente, seguiu engajada na causa feminista, ajudando a fundar o grupo Feminists for Free Expression (FFE), cuja causa é garantir o direito de produzir e consumir entretenimento adulto sem censura e a liberdade de expressão como direito da mulher.
Royalle serviu de inspiração para diretoras que hoje fazem sucesso e são premiadas em eventos criados especialmente para o segmento pornô para mulheres.
Erika Lust
A sueca radicada em Barcelona Erika Lust, da Lust Films, ganhou espaço em revistas e programas femininos nos últimos anos para falar sobre a importância do “pornô feminista”.
Sua compilação de curtas Five Hot Stories for Her rendeu diversos prêmios, incluindo Melhor Roteiro no Festival de Cinema Erótico de Barcelona, em 2007, Melhor Filme para Mulheres no E- Erotic Awards Line (Berlim, 2007) e Melhor Filme do Ano no Feminist Porn Awards (Toronto, 2008).
Mas a campeã de prêmios do pornô para mulheres é Tristan Taormino. Foram 8 troféus do Feminist Porn Awards, entre eles o da categoria “Casting mais diverso”.
“Eu cresci quando as guerras sobre o sexo já haviam terminado e já existiam estas vozes dentro do feminismo que diziam que nem toda pornografia é ruim, que a pornografia pode mesmo ser uma coisa bacana”, declarou ela para Marisa Demarco, no livro The Feminist Pornographer (2009). Sua especialidade são filmes com a temática kink, explorando cenas de submissão e dominação.
Uma acadêmica no mercado adulto
Com mestrado em História do Cinema, a alemã Petra Joy dirigiu seu primeiro curta, Sexual Sushi (2004), sem orçamento e com amigos atuando.
Assim como Royalle, ela foi na contramão do feminismo radical, descobrindo novas formas de incluir a mulher na pornografia dentro e fora dos sets de filmagem.
Decidiu trabalhar somente com atores amadores, que podem se candidatar através de seu site. Leva em conta suas preferências e faz questão que tenham corpos naturais de diferentes faixas etárias.
No Brasil há diretoras de pornô para mulheres também com a vontade de não só reverter a visão masculina do segmento, mas também educar e mostrar que existem muitas maneiras de pensar e fazer sexo além da fórmula repetida à exaustão no pornô mainstream: sexo oral, vaginal, anal e gozada na cara da mulher.
A diretora radicada em Nova Iorque, Lívia Cheibub, falou ao especial Transe da VICE Brasil: “Deve ser sim uma ferramenta para falar sobre sexo, aprender diferentes formas de fazer sexo e diferentes formas de prazer”. Para ela, “feminismo é a gente ser o que a gente quer ser”.
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A breve história do pornô para mulheres
Levando em conta que o termo pornografia surgiu a partir do século XIX, quando o erótico chega aos cinemas, ademais, podemos dizer que o pornô para mulheres é ainda uma criança.
Esse capítulo da história do pornô começou a germinar, inegavelmente, na década de 1970. Isso porque foi naquele contexto de nascimento do feminismo que começaram as discussões críticas sobre a forma como a mulher era representada no cinema convencional — sempre objeto do olhar masculino — e também a falta de profissionais do gênero atrás das câmeras.
Conforme esse caldo de reivindicações das mulheres foi engrossando, era inevitável que fosse colocado em pauta o lado B das produções cinematográficas: o pornô.
Divergências e divisões no pornô para mulheres
Então o caldo entorna quando um grupo que era coeso e solidário se divide em feministas radicais e liberais.
Todas concordam que a pornografia mainstream é opressora e nociva para as mulheres, mas as radicais acreditam que a solução é cancelar os filmes pornôs.
As liberais acreditam que o pornô, surpreendentemente, pode ser uma forma de prazer e liberdade importante para a mulher, desde que ela mude o jogo. Grosso modo, é dessa reação às feministas radicais que surge o pornô para mulheres.
Para as pioneiras diretoras, era um desafio e seria uma grande conquista penetrar numa indústria totalmente masculina para estabelecer novas regras. Uma revolução pornô feminista.
Afinal, se este era o movimento sendo desenhado no cinema convencional, porque não fazer o mesmo no entretenimento adulto?
Foi com essa ideia que a diretora Petra Joy, a princípio, encarou o desafio de cair pra dentro do negócio.
“Apenas 6% das diretoras de Hollywood são mulheres. O percentual é ainda menor quando se trata da indústria pornô. O que significa que, similarmente, a maioria dos filmes nos mostra a vida de uma perspectiva masculina. Eu quero equilibrar esta balança, e quero empoderar mulheres a irem para trás das câmeras e nos mostrar o que é erótico para elas”, diz ela no site Joy Awards.
O caminho do pornô para mulheres
1981 – lançamento do filme Deep Inside Annie Sprinkle
1983 – criação do Club 90
1984 – festival The Second Coming
Em 1984 – criada a Femme Productions
1984 – lançamento da revista On Our Backs
1985 – criada a produtora Fatale Video
1997 – Lancamento de The Ultimate Guide to Anal Sex for Women (primeiro video de Tristan Taormino)
2004 – lançamento de The Good Girl (primeiro curta de Erika Lust)
2004 – lançamento de Sexual Sushi (primeiro filme de Petra Joy)
2006 – lançado o Feminist Porn Awards (FPA)
2009 – criação do Joy Awards
2013 – primeira conferência sobre pornografia feminista
Um marco significativo do pornô para mulheres certamente foi o lançamento do filme Deep Inside Annie Sprinkle. A diretora americana, que na época era atriz pornô, decidiu produzir um filme educacional para falar da AIDS, que estava crescendo entre os atores da indústria pornô.
Sprinkle também criou um grupo de apoio para mulheres da pornografia em parceria com outras atrizes, chamado Club 90. Elas foram as primeiras a falar sobre pornografia feminista, participando inclusive do festival The Second Coming, cujo tema era “Existe uma pornografia feminista?”
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Também fazia parte do Club 90 a atriz que se tornaria diretora, Candida Royalle. Ela funda a Femme Productions e passa a fazer filmes para casais assistirem juntos.
Desta forma o movimento do pornô para mulheres começou a crescer, dando origem à revista On Our Backs, do grupo pró-sexo Feminist Sex Wars, e a mais uma produtora, com foco no público lésbico, a Fatale Video.
Hoje, inesperadamente, temos premiações e festivais que celebram a pornografia feminista, de tanto que o gênero ganhou espaço.
Considerado pela diretora e escritora feminista Tristan Taormino o “responsável por colocar a pornografia feminista no mapa da mídia”. O Feminist Porn Awards (FPA) é certamente o único festival que premia exclusivamente pornô para mulheres. Já o Joy Awards foi criado pela diretora Petra Joy como forma de incentivo para outras diretoras.
Liberdade ou censura
O debate sobre a proibição da pornografia, defendida por alguns grupos feministas, similarmente entra numa linha tênue entre censura e liberdade de expressão. Principalmente quando ampliamos o contexto da discussão para um âmbito mundial, e as diferentes realidades em países cujas Leis restringem não só a pornografia, como também a livre expressão das mulheres. Caso sobretudo da Uganda, que aprovou em 2014 uma lei contra a pornografia que inclui a proibição do uso da minissaia.
Como forma de combate à pedofilia, a Austrália não permite que sejam produzidos filmes pornô com atrizes de seios pequenos, o que remeteria à imagem de garotas menores. Na Islândia, campeã mundial do feminismo, acessar pornografia pela internet ainda é legal, apesar da comercialização ser proibida e de ter havido uma grande discussão sobre banir filmes adultos no país em 2013.
O absurdo da proibição
Há também os extremos do controle e da censura. O acesso a filmes pornôs é banido em quase todos os países islâmicos, e no Irã e Coreia do Norte a sentença é a pena de morte para quem produzir e/ou distribuir pornografia.
Um mapa ilustra o posicionamento sobre a pornografia nos países do globo está no wikipedia, datado de 2010.
https://en.wikipedia.org/wiki/Pornography_laws_by_region
Enquanto isso, pesquisa divulgada pelo Pornhub em 2018 mostrou que o consumo de filmes pornô é um fenômeno da internet. A plataforma recebeu 81 milhões de visitantes por dia em 2017, totalizando 28,5 bilhões de visitantes no ano. O Brasil, ao lado das Filipinas, teve maior acesso por mulheres: 35%.