Pornô feminista não existe! Acho bom começar esse relato assim, porque desde que Erika Lust, diretora sueca, se autointitulou como Cineasta de Pornô Feminista e Educadora Sexual luto contra essa classificação. Pornografia é ENTRETENIMENTO!


Veja bem, sou feminista e me entendo como uma desde a aurora da minha vida, também conhecida como a adolescência Riot Grrrl. Tive o prazer de ser contemporânea daquele hino da banda punk feminista Bulimia – Punk Rock Não É Só Para o Seu Namorado, e foi com essa música na cabeça que cheguei a conclusão de que a Pornografia não era só para o meu namorado. E em uma década trabalhando com isso posso afirmar que não é.

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Repensar as contradições do processo


Parece contraditório dizer que não concordo com as formas em que Lust classifica suas produções explícitas e, ao mesmo tempo, afirmar que a pornografia não é e nem deve ser feita só para homens, mas foi assim que em 2010 eu disse sim para a Xplastic e comecei a fazer parte das pessoas atrás das câmeras. Com pitadas de punk rock, e muito faça você mesmo, a gente se meteu a fazer clipes explícitos, filmes hardcore e muita discussão sobre pornografia e sexo.


Foi ai que conheci sociólogos, filósofos, pornoclastas, acadêmicos, fetichistas e afins. Pessoas que tomaram a corajosa missão de falar sobre sexualidade positiva e esses filmes que todo mundo jura não ver, mas vê! Tá aí o Xvideos e o Pornhub para provar que escondidas no anonimato da internet muitas pessoas assistem e fazem a roda girar.


Se tem uma indústria que perdeu muito dinheiro com a internet foi a pornografia, a pirataria ficou mais fácil e ao alcance da mão. Agora, além da pirataria, tem a uberização de atores e atrizes pornôs. Antes de maneira mambembe ainda contávamos com uma equipe que garantia algum tipo de segurança.

Leia a opinião de algumas diretoras .

A uberização do trabalho


Hoje uma atriz/ator grava em sua casa para colocar diretamente numa plataforma dessas de vídeos que monetizam e assim fazem dinheiro. Isso não seria problema se a gente tivesse uma legislação sobre a indústria. Como não temos, não temos controle real sobre doenças e testes feitos antes de qualquer filmagem, ou até mesmo o benefício de desistir de ter sua imagem vinculada a algo explícito. Fica mais difícil quando os acordos feitos são apenas verbais.


Também é ilusório acreditar que esse sistema é mais rentável para a atriz, ou que isso seja uma versão de pornô feminista. É o câmbio do dólar que determina o valor da produção neste caso. E é claro, que a pornografia é uma replicadora e não duvido que agora as plataformas de vídeo explícito estão replicando as plataformas de música, contribuindo ainda mais para uma precarização do trabalho.


O machismo está enraizado na pornografia, assim como está em todas as atividades audiovisuais. Fora do meio, tivemos casos muito expressivos de como o machismo e o assédio se dá. Weinstein e Milhem são dois bons exemplos de que a mulher não precisa ficar nua e nem transar em frente às câmeras para estar sujeita a determinadas barbaridades. É por isso que é necessário ter mais mulheres em cargos como direção, produção, fotografia, luz. Porque é com o olhar feminino e a noção de espaço e respeito ao corpo que é possível mudar os meios no capitalismo.

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Mulheres gostam de sexo

Mulheres gostam de sexo e isso é um fato. Goste a sociedade ou não.

Uma das falas que me marcou no documentário sobre o falocêntrico Rocco foi justamente o da Kelly Stafford. Ela disse “Eu não penso que submissão é humilhação, porque tenho visões muito pró-feministas. Como posso estar me humilhando se é o que quero? Eu sou uma mulher forte, preciso de um homem forte para me foder. Gosto de dar a bunda. Eu quero trepar com 50 caras. Para mim, é uma paixão na vida mostrar mulheres empoderadas”. A britânica que na época tinha 39 anos estava falando sobre sua posição ali na indústria e sua atuação.

Em outubro de 2013 tive o prazer de estar com a Sasha Grey (uma das ex-atrizes pornôs de maior reconhecimento global, que aliás nunca disse que fazia pornô feminista). Estavamos no centro de São Paulo para uma matéria quando pude ouvi-la dar uma declaração semelhante à jornalista Barbara Gancia sobre seu período na pornografia. Quando a jornalista brasileira afirmou que não era possível uma mulher sentir prazer transando ao mesmo tempo com diversos homens a americana foi enfática ao dizer que sim.

pornô feminista
Eu com a câmera na mão, ao lado das atrizes Sasha Grey – ao centro da imagem, Sweetie Bird e Mayanna Rodrigues. Agachada bem na minha frente está a May, com quem dividi a direção de um filme gravado nesse mesmo dia.

A atriz pornô tem seu direito


Gosto dessas duas afirmações das ex-atrizes, não para afirmar que não existe gente explorando outras pessoas na indústria, mas sinto que como toda trabalhadora sexual, a atriz pornô tem seu direito a gostar ou não do exercício e de sexo tutelado por uma sociedade que acha que pode salva-la. Síndrome do Odair José em “Eu vou tirar você desse lugar”.


Enfim, penso que a grande aversão e questionamento sobre a indústria vem do que meu amigo, o professor de sociologia na UFSCAR, Jorge Leite Júnior diz: “A pornografia é o sexo dos pobres”.

Complemento deixando um questionamento sobre o italiano Milo Manara, com seus desenhos explícitos cheios de penetrações e closes em desenhos. Por que ele é considerado erótico e não pornográfico?

Sobre o Autor

Thaís Mayume é formada em Comunicação Social. Coordenadora de edição de vídeos em televisão aberta, sob o pseudônimo de Mayume Maldita já editou, produziu e dirigiu filmes pornográficos em parceiria com a Xplastic, sendo um deles premiado por melhor atuação LGBT com Mayanna Rodrigues em 2015 no prêmio Sexy Hot.Organizou e produziu as exposições do festival PopPorn de 2012 a 2016, além de fazer curadoria de vídeos em 2018 com programação completamente feminina. Acredita não há emancipação sem sexualidade positiva, e que é possível subverter a pornografia e o erotismo como meio de transformação.

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