A cartunista Laerte Coutinho no Pornolândia

Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Laerte Coutinho, uma cartunista que se descobriu mulher. No episódio 17 da quarta temporada de Pornolândia elas conversam sobre a trangeneridade, o processo de aceitação e o olhar do outro. Uma conversa TRANSformadora que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay.

Nicole Puzzi entrevistando Laerte Coutinho

Nicole Puzzi: Ela é uma mulher incrível, corajosa e muito divertida. Hoje nós vamos conhecer a grande Laerte. E, depois, vamos fechar a noite, claro, com a nossa xgirl.

Prazer, a Laerte!

Eu gosto muito de você, Laerte!

Larte Coutinho: Oba!

NP: Eu sou tua fã!

Laerte Coutinho: Eu também sou sua!

NP: Então, pronto, estamos no mesmo canal. Somos amiguinhas da meia-noite.

LC: Empatou.

NP: Já faz um tempo que você se apresentou para o mundo como “A Laerte”.

LC: Sim, sete anos. Sete anos.

NP: Sete anos.

LC: Eu já vinha me travestindo e frequentando… o pessoal de cross dressing, eu já tinha algum tempo. Mas, foi em 2011 assim que eu resolvi que não tinha mais sentido eu ficar com essa dupla vida.

A mudança na questão da trangeneridade

NP: Você acha que mudou alguma coisa de 2011 para cá envolvendo gênero?

LC: Sim, mudou! Especialmente para mim, no meu ponto de vista particular, porque eu aprendi muita coisa. A trangeneridade é um processo. E não necessariamente você aprende a ser mulher, porque eu não acredito que existe um “ser mulher modelar” que as pessoas aprendem ou não aprendem. A gente vai vivendo a transgeneridade, a gente vai vivendo um processo de transformação. E eu acho que também, na sociedade, o modo como a pessoa vê a pessoas trans mudou muito. Eu acho que, apesar da brutalidade dos assassinatos continuarem, existe um território de respeito que a gente vem tratando de alargar, né.

As reações

Laerte Coutinho ao lado de Nicole Puzzi

NP: Agora, quando é que foi que seus amigos, principalmente os cartunistas, perceberam a Laerte?

LC: Bom, eu falei para eles!

NP: E como é que foi a reação deles?

LC: Foi bem legal, foi bem legal! Porque, eu de alguma forma acredito que cartunista é um bicho um pouquinho conservador assim. Principalmente homem, né. Tem muito homem na profissão.

NP: Tem, tem.

LC: Agora está mudando. As mulheres estão aparecendo, cada vez mais as mulheres autoras de quadrinhos e cartuns estão se apresentando. Mas, naquela época, eu ficava pensando “será que meus amigos vão estranhar, vão torcer o nariz?”. Não torceram, não, eles se comportaram lindamente!

O programa da Laerte Coutinho

NP: Ah, que bom! Agora eu quero falar do programa da Laerte.

LC: Oba!

NP: Como é que aconteceu?

LC: O programa?

NP: É!

LC: Ah, me convidaram! Eu nunca pensei em entrevistar gente. Você já tinha pensado?

NP: Não, eu nunca tinha pensado em ficar entrevistando as pessoas. Tanto que…

LC: É meio estranho, não é não?

NP: É, né, porque é meio assim, né. No começo foi bem complicado para mim. Mas é legal, porque a gente vai naturalmente, a gente não tem aquelas perguntas óbvias, a gente faz um bate-papo.

LC: A ideia é essa, fazer um bate-papo. Desde o início assim eu já tinha conversado com o pessoal da produção que eu queria isso, eu não queria entrevista biográfica. Primeiro que não faz muito sentido, a gente grava em fevereiro e vai ao ar só em junho. Daí, o que são essas conversas, são conversas sobre a vida, sobre o medo, sobre a nossa cultura, sobre tudo, né.

A vida sexual para Laerte Coutinho

NP: Você acha que hoje em dia está mais fácil… Eu acho que hoje em dia está mais fácil começar a vida sexual do que há 30/40 anos atrás, né?

LC: A gente vive em uma cultura que sexualiza. As pessoas comentam isso em tom de reclamação, eu não sei se eu reclamo tanto, mas é um fato. O assunto do erotismo frequenta a vida das pessoas cada vez mais precocemente. Pelo menos tenho reparado isso.

NP: Hoje, eu acho que está entrando muito na infância. É um fenômeno, né?

LC: É, é um fenômeno. Eu fico com alguns pés atrás. O primeiro deles é seguinte: não é uma aproximação. Eu não acho que as crianças são assexuadas, eu acho que elas são sexuadas. As ideias de gênero fazem parte de uma criança. Acontece que isso não se dá de maneira parelha, não se dá de uma maneira equilibrada, porque a gente vive em uma sociedade que comercializa tudo, transforma tudo em mercadoria. Então, as pessoas querem vender coisas, querem vender atitudes, querem…

NP: Vender atitudes! Gostei!

LC: E fazerem crianças se inserirem em mercados de compra, não é?

A inspiração de Laerte Coutinho vem de dentro

Laerte Coutinho na entrevista com Nicole Puzzi

NP: Exatamente, eu concordo com você! E teve algum filme, algum livro que mexeu com você nessa questão de gênero, fez você ter um insight nessa questão de gênero?

LC: Mais ou menos. Teve meu próprio trabalho. Eu usava muito esse recurso de fazer personagens se travestirem. É um recurso muito comum em comédias, coisas de humor. Mas aí, eu comecei a fazer isso cada vez menos como piada, a pessoa se travestia só por se travestir. E aí, um dia, alguém me deu esse toque: “escuta, você não está querendo fazer também não, isso que os seus personagens fazem?” e eu falei “acho que eu quero”. Agora, tem muitos livros interessantes que apareceram, mas eu já estava vivendo a transgeneridade. Tem o livro do João W. Nery, que é fantástico “Viagem solitária”.

Seria diferente?

NP: Você acha que teria alguma diferença se você pudesse ter assumido “A Laerte” desde a sua infância, adolescência?

LC: Ué, eu acho que sim! Minha bundinha está muito mais no lugar.

NP: Eu não esperava essa resposta!

LC: depois tem outra coisa: se eu decidisse me hormonizar, por exemplo, o corpo da pessoa jovem responde de forma muito mais eficiente à presença de hormônios. Então, eu certamente teria tido um processo diferente. Agora, eu não estou triste não, está tudo certo. No meu processo pessoal, o primeiro problema que se apresentou não era de gênero, era de sexo mesmo. Por que eu era gay e isso me horrorizou e eu passei 34 anos escondendo isso de mim mesma, né. Então, quando eu abri o jogo para mim, resolvi me aceitar e vivi o que eu tinha para viver, a questão de gênero veio como uma espécie de brinde assim.

Envelhecer mulher

Nicole Puzzi apoiada em globo de espelho.

NP: Aí, você diz da sua bundinha que era mais né… Agora, como é envelhecer sendo mulher? Porque é mais fácil envelhecer sendo homem.

LC: Sim! As pessoas me dizem assim “a perna de homem é tão linda, não tem celulite”. Mas, o corpo dos homens têm características que… Ah, eu não sei que inferno que eu vou falar agora, mas eu gostaria de ter nascido mulher, eu gostaria de ter um corpo claramente feminino. Mas, isto não é necessário, porque a questão de gênero para mim se coloca de uma outra forma. Eu posso viver a minha “mulherisse” com esse corpo que eu tenho, do qual eu gosto. Eu resolvi, por exemplo, manter o meu nome, porque eu gosto dele.

NP: O problema é que, quando a mulher envelhece, ela é rejeitada. “Velha, oh, Velha!”, entendeu?

LC: Chego no Grindr, o pessoal fala “mas você tem essa idade mesmo?”, porque eu boto a idade. “Nossa!”, nossa o quê?

Despedida

NP: Eu adorei você!

LC: Eu também adorei essa conversa!

NP: Nossa, gostei muito mesmo! Adorei te conhecer um pouco mais, porque a gente já tinha se encontrado. Mas a gente não tinha batido um papo assim gostoso!

LC: Agora começamos!

NP: Agora começamos. Isso muda a minha vida. Me dá um beijo aqui. Um beijo de lésbicas!

LC: Isso!

NP: Eu não sou e nem você. Pronto! Duas mulheres. Querida, obrigada!

LC: Obrigada pelo convite!

NP: E agora nós vamos ver uma mulher maravilhosa: a nossa xgirl!

A nossa Xgirl

Xgirl Nanda Diabla

E o programa terminou com a maravilhosa Xgirl Nanda Diabla, uma morena linda e gostosa, que ficou nua em um ensaio sensual em uma lanchonete retrô que vai deixa você com a imaginação além dos tempos.