Não é fácil entender o que é pansexual. Sabendo disso, entrevistei pansexuais com perfis bem diferentes para acabar de uma vez por todas com os mitos que rondam essa orientação sexual
Meu primeiro contato com o termo pansexual foi certamente o mesmo que o da maioria dos brasileiros da minha geração, adivinhem? Assistindo a alguma entrevista do Serguei em que, inevitavelmente, ele se vê diante de perguntas sobre o tesão que sente por todo o tipo de gente, pela Janis Joplin e por árvores ( e eu nunca entendi o espanto com o lance da Janis, porque eu pegaria ela fácil).
Então, o que é pansexual?
Em 2015, o termo pansexual ganhou um novo ícone bem mais atrativo para os jovens de hoje do que o Serguei: em agosto Miley Cirus revelou ser pansexual, dando ao tema uma lufada de ar fresco. Ícones da cultura pop não são a salvação do mundo ; não podemos atribuir a eles a revolução sexual de que necessitamos. No entanto, não podemos negar que eles trazem uma visibilidade importante a certos temas.
Os dados do Google Trends de buscas relacionadas ao assunto são a prova de que a Miley levou certa luz ao tema:
Pansexuais podem ser como o Serguei e podem ser como a Miley Cirus. Ok, mas e daí? Dentre as definições mais acertadas de pansexualidade, está a do Bisexual Resource Center. Pansexual é “um termo para as pessoas que direcionam seu potencial de atração sexual e emocional a mais de um gênero”.
Mas, pera lá, isso não é a bisexualidade? Na verdade a pansexualidade está situada dentro do “guarda-chuva bisexual”, que abarca, dentre outras orientações, também as hétero-flexíveis, bi-curiosas, etc…
O termo pan (do grego pan, pantós, todo ou inteiro) enfatiza a possibilidade de relação com todos os gêneros. Isso inclui pessoas trans, de gênero fluido, não-binárias ou ainda outros tantos tipos possíveis. Raramente nos deparamos com categorizações idênticas sobre a pansexualidade, porque provavelmente os pansexuais não são muito propensos a se rotular. O seguinte trecho de uma pesquisa publicada em 2013 no Graduate Journal of Social Science nos mostra exatamente a fluidez que acompanha a orientação pansexual:
(…) a identificação múltipla e fluida observada sugere que os entrevistados veem sua orientação sexual como um processo contínuo, em vez de uma parte concretizada e fixa de suas personalidades.
Pansexuais e o lance não-binário
Além disso, muitos pansexuais também fogem das normas tradicionais no que diz respeito às suas identidades de gênero. Frequentemente eles são não-binários, um sinônimo para o termo gringo genderqueer, que é outro conceito guarda-chuva que inclui as pessoas que não se sentem dentro das definições tradicionais de homem e mulher (pelo menos não todos os dias).
As vivências destes três pansexuais com perfis bastante diferentes entre si têm muito a dizer sobre as maravilhosas possibilidades que surgem da diversidade:
Sara Siqueira, Brasil, mulher pansexual
Me relacionei com mulheres cis e trans e com homens cis e não vejo restrição alguma em me relacionar com homens trans, mas não aconteceu ainda. A mulher trans com quem me relacionei estava ainda passando pela decisão da transição, mas só fiquei sabendo disso após o fim do relacionamento. A notícia confirmou minha sensação de que faltava algo nela, como se seu espírito estivesse incomodado. Hoje me sinto feliz e orgulhosa dessa amiga tão querida que, finalmente, se entende em seu lugar. Vejo gente sofrendo ao descobrir que a pessoa com quem se relaciona é, na verdade, de outro gênero. Acredito que esse problema acontece quando você ama e deseja o sexo e não a pessoa como um todo. Se todos enxergassem muito além do pênis e da vagina quando se apaixonam, entenderiam melhor o que é amar acima de qualquer coisa.”
Fe Alcubillas, Brasil, gênero fluido*¹
“Eu me entendi como pansexual quando me apaixonei simultaneamente por um garoto e uma garota aos 13 anos. Devido a uma criação parcialmente católica, não foi fácil entender e aceitar esse desejo. Me parecia errado fantasiar e alimentar minha atração e durante um bom tempo reprimi o que deveria ser encarado com naturalidade.”
É natural ser pansexual?
A naturalidade frequentemente vira argumento de quem condena a orientação pan. Muitos pansexuais escolhem gradualmente e de forma consciente superar as limitações da monosexualidade numa espécie de ato político. Essa decisão entende como uma injustiça segmentar o desejo de acordo com apenas uma (ou duas) identidades de gênero. Quando essas pessoas decidem revolucionar suas próprias vivências ao permitir-se experimentar o outro — no caso, uma diversidade de outros — são alvos dos críticos que argumentam que essa atitude é ruim por ser forçada e anti-natural. Para Fe, é pura bobagem:
— Acho que beira a estupidez dizer que é anti-natural desconstruir gêneros ou sexualidade. As relações humanas e as construções sociais inevitavelmente mudam e é necessário, por uma questão política e didática, formular termos que possibilitem que as pessoas se sintam mais confortáveis em suas próprias peles. Quanto mais expansivo e “fora da casinha”, mais algo incomodará e, portanto, provocará reflexão. A pansexualidade é um claro exemplo disso.
*¹ Gênero fluido é uma identidade de gênero que se mostra como uma mistura entre feminina e masculina. São pessoas que podem se sentir nessa combinação dos dois gêneros tradicionais, ou mais homens em algumas fases e mais mulheres noutras.
Melina Varshenka, Estados Unidos, intersex pansexual *²
Como uma mulher intersexual eu passei por muitos processos sobre a minha própria identidade de gênero e sobre como eu poderia me encaixar no mundo. Até eu chegar a essas definições, na época do Ensino Médio, eu já havia me interessado por muitos tipos de pessoas diferentes, independentemente de seu sexo. A pessoa com que eu estou vivendo atualmente se identifica como gênero fluido, apesar de, no nascimento, terem lhe atribuído o gênero feminino.
No fim das contas, meu engajamento pelos direitos das pessoas não-binárias fez com que minha atenção se voltasse naturalmente à pansexualidade e penso que a diversidade dessas relações é muito importante para que eu compreenda meu próprio papel em um relacionamento duradouro.
*² Intersex é um termo usado em substituição ao termo hermafrodita, considerado ultrapassado. Define uma variedade de condições em que uma pessoa nasce com uma anatomia reprodutiva e sexual que não se encaixa nas definições típicas do sexo feminino ou masculino. Por exemplo, uma pessoa pode nascer com aparência feminina, mas ter anatomia do sexo masculino.
Então… Bora superar os estereótipos?
Quem abriu esta matéria para ver se encontrava sinais de promiscuidade ou imaturidade nos relatos dos pansexuais certamente se frustrou. São pessoas que, como qualquer mortal, procuram pelo amor, mas mesmo assim sofrem preconceitos diversos até mesmo dentro de grupos mais progressistas.
A pesquisa mencionada lá no começo também mostra que alguns pansexuais optam por não se assumir nem nas comunidades não-heterosexuais, outros preferem ainda se identificar como bisexuais ou heterosexuais em diferentes meios sociais.
Bret Easton Ellis, escritor pansexual que adaptou a obra The Informers aos cinemas, ilustrou essa situação em uma entrevista. Quando perguntado se era gay, Ellis explicou que ele não se identifica com a sexualidade tradicional e que para ele é confortável ser visto como homossexual, bissexual ou heterossexual e, dependendo do interlocutor, ele se assume de maneira variada.
Gays e lésbicas, a maior fatia que compõe os LGBTQI+, possuem orientações monosexuais, ou seja, só curtem um gênero, enquanto os pansexuais são polisexuais, curtem dois ou mais gêneros. As tensões surgem principalmente quando os polisexuais são alvo de julgamentos dos monosexuais sobre serem promíscuos ou indecisos sobre a própria sexualidade.
Pansexual pode ter restrições
Pansexuais não transam com qualquer um, afinal critérios sempre estarão presentes na escolha de parceiros sexuais e amorosos, como mostram alguns trechos das entrevistas acima. Mephiles, uma mulher pansexual dos Estados Unidos com quem conversei, elege a beleza do rosto como sua principal fixação:
— Eu sou capaz de ter tesão em praticamente qualquer tipo de pessoa, não importa se é menino ou menina, intersexual, transgênero ou travesti, desde que essa pessoa seja suficientemente sexy. O rosto desempenha um grande papel nisso, claro, além da personalidade. A aparência ainda é o principal para mim, pois é a primeira coisa que vejo antes de ter a oportunidade de conhecer alguém.
Mephiles quebra ainda outro mito sobre os pansexuais. Ela conta que suas experiências não são muito vastas, principalmente por causa de sua timidez e insegurança. Ou seja, identificar-se como pansexual não requer que a pessoa tenha transado com todo tipo de gente; um virgem que nunca namorou pode ser pansexual desde que seus critérios de atração sejam “cegos” em relação ao gênero da pessoa com quem ele virá a se relacionar.