Para descobrir como ser submissa entrevistamos adeptos do BDSM, uma pesquisadora e praticantes que mostram como é o jogo de dominação e submissão


A submissão sexual inserida nas práticas do BDSM tem muitas formas diferentes de se manifestar e pode rolar em relacionamentos heterossexuais ou não.

Diferentemente do bondage ou do sadomasoquismo, as outras “letrinhas” da sigla que se referem a práticas com técnicas bem delimitadas, a submissão nasce da obediência, conceito que pode variar muito de pessoa para pessoa. Nesta matéria me foquei na submissão feminina e dominação masculina. Espero que seja uma boa leitura para quem tem essa fantasia, mas não sabe por onde começar.

Não faz mal querer ser submissa

Se você é mulher e já sentiu aquele desejo insano de se submeter completamente às vontades do seu peguete, namorado, ou marido, fique calma, porque não há nada de anormal com você. Existem pessoas assim aos montes e até mesmo a literatura e o cinema mainstream já “coroaram” o BDSM como prática aceitável na trilogia originada do livro Cinquenta Tons de Cinza. Apesar de ser a obra mais famosa de baseada em BDSM, ela é muito criticada pelos praticantes, principalmente por causa do comportamento de Christian Grey, que atrela seus desmandos ao dinheiro e à posição de poder que possui. Seu comportamento arrogante e sua falta de transparência acabam representando um abuso diante dos problemas de relacionamento que a mocinha da história têm.

As mocinhas da vida real costumam ser bem jovens: algo bastante comum entre as submissas e dominadores é a precocidade com a qual começaram a ter suas primeiras fantasias.

Com a palavra, submissas

Najla, uma das submissas que entrevistei, conta que começou ainda na infância:

Desde criança me imaginava como escrava de alguém, servindo, sendo usada, humilhada, exibida, emprestada, punida. Muitas coisas se passavam na minha mente, mas não tinha a menor noção do que era. Cresci tendo essas visões e na adolescência comecei a me masturbar pensando nisso, sem ainda saber que existia o BDSM.

Outra submissa, a Pandora, me contou que desde cedo não ligava para os meninos de sua idade:

Quando entrei naquela idade de começar olhar para os meninos, por volta dos 12, 13 anos, eu olhava pros caras mais velhos, os que tinham uma aura de comando. Me imaginava servindo, obedecendo, sendo corrigida e apanhando quando fizesse algo errado. Eu estaria sempre disponível e à espera.

Entre os dominadores ocorre o mesmo, como podemos ver no relato de Fausto, que é companheiro de Najla atualmente:

Eu admirava meu pai que conseguia comandar sem gritos, sem punições físicas, apenas com olhares. Eu dormia e tinha um sonho recorrente de que havia mulheres para me servir como escravas como em um conto “das arábias”.

Como ser submissa e agradar?

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Antes de fazer essa pergunta às mulheres que praticam a submissão sexual entrevistei a Marcelle Silva, cientista social que estudou o comportamento de submissas que postavam em blogs pessoais suas experiências:

Uma das noções interessantíssimas que pude observar é que existe uma submissão ideal, na qual a pessoa submissa se entrega à pessoa que domina sem questionar suas ações e desejos, apenas aceitá-las e vivenciá-las. A boa submissa seria aquela que entrega seu corpo, sua vida e sua vontade à figura dominante, que não questiona, que aceita e respeita. No entanto, a maioria pode usar palavras de segurança quando sente que seus limites foram ultrapassados. Apesar de haver um certo padrão, muitas pessoas que dão novo significado essas práticas, por exemplo, convencionalmente a figura submissa é aquela que não tem voz, mas em muitos casos isso não se aplica.

O consenso entre os dominadores é que a submissa ideal não é uma mulher sem personalidade que absorve todos os aspectos da vida do companheiro. Para ser submissa não precisa concordar com a autoridade absurda e venenosa de um cara disso o mundo já está cheio até mesmo nos relacionamentos considerados normais. O encontro ideal entre uma submissa e um dominador não se dá em meio a carências, egoísmos e problemas de relacionamento, mas sim no desejo e vontade de fazer algo diferente juntos. Ambos são pessoas que estão no em busca de realização de fantasias e isso passa muito longe da ideia de uma mulher sem vontade própria. Fausto resume bem o que é uma boa submissa:

A boa submissa não é um zumbi, mas alguém que o dono possa usar e ter como companhia.

Como brincar de ser submissa?

São várias as brincadeiras prediletas das submissas e na base de todas elas está a dominação psicológica. Sem o jogo de entrega, obediência, ou até mesmo a encenação de papéis como mestre e escrava, a D/s não acontece ou pode ser confundida com o sadomasoquismo vale lembrar que algumas pessoas gostam de sentir dor, mas não gostam de se submeter a ordens e algumas gostam de ser submissas, mas não suportam a dor. Marcelle me explicou que geralmente a submissão está relacionada ao sadomasoquismo e isso se confirmou entre as submissas e os dominadores que eu entrevistei. Eles elencaram suas práticas prediletas e eu separei as mais comuns para explicar o que são.

Submissão de A a Z

A lista mostra um pouco da variedade de opções disponíveis na D/s (abreviatura para dominação e submissão) :

  • Age play: a submissa age como uma pessoa mais jovem que necessita de orientação e proteção do dominador.
  • Asfixia erótica: a submissa é enforcada por alguns instantes com as mãos ou objetos.
  • Bondage: a submissa é imobilizada com cordas enquanto o dominador age ou até mesmo a deixa sozinha assim.
  • Castidade: a submissa é obrigada a ficar sem se masturbar e sem sexo por um período de tempo.
  • Humilhação: pode envolver xingamentos ou exposição da submissa, inclusive publicamente.

Petplay, spanking e outros

  • Pet play: a submissa faz o papel de um animal, como cachorro, gato, ou pônei, que precisa de orientação e proteção do dominador.
  • Privação dos sentidos: a submissa é vendada e/ou tem os ouvidos tapados enquanto o dominador age ou até mesmo a deixa sozinha assim.
  • Spanking: a submissa recebe palmadas com as mãos ou objetos como chicotes.
  • Torture play: são usados grampos, agulhas, choques leves, entre outras coisas, para provocar dor na submissa.
  • Wax play: cera de vela quente é colocada sobre partes do corpo da submissa.

Caso você decida embarcar em uma sessão ou relacionamento de dominação e submissão, além das preferências, ambos devem conversar sobre limites. Todas essas práticas devem ser estudadas previamente e feitas dentro dos preceitos de segurança, como o “são , seguro e consensual” (SSC), um dos mais utilizados no BDSM. Outros guias para a prática estão na sigla RACK, que vem Risk Aware Consensual Kink (Perversão Consensual com Riscos Conhecidos). Ela serve para lembrar que as práticas do BDSM não são livres de riscos e que eles devem ser conhecidos para serem minimizados e encarados de forma mais tranquila.

Devo ser submissa o tempo todo?

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Na maioria dos relacionamentos D/s, a submissão se restringe aos momentos íntimos do casal. Larissa é uma crossdresser que vive a maior parte do dia como homem, mas gosta de se caracterizar como mulher de vez em quando e nessas horas ela encarna uma mulher submissa:

A minha personalidade masculina não é nem um pouco submissa, sou líder por índole, gosto de comandar, ser proativo. A submissão como crossdresser é uma questão de opção, tenho muito prazer em satisfazer desejos e vontades das mulheres, sou uma deslumbrada pelo feminino.

Larissa conta que já viveu uma D/s bem intensa, que era 24/7 (quando o casal vive assim 24 horas por dia e 7 dias por semana).

Quem escolher essa modalidade precisa ter em mente que envolve uma entrega muito grande. Alguns dominadores exigem que a submissa informe tudo o que está fazendo e que peça autorização para tomar decisões, inclusive em relação à aparência e outros assuntos bem pessoais. O recomendado para quem tiver essa “pira” é que primeiro estabeleça um relacionamento sólido e de confiança e passe a inserir com cuidado a submissão 24/7. Najla tem uma relação bem aprofundada e até constituiu família com seu dominador:

Atualmente tenho um dono e moro com ele e meus filhos, mas não considero uma relação 24/7, porque na frente das crianças é algo inviável. Só quando estamos sozinhos é que somos apenas dono e escrava.

Como ser um bom dominador?

Dom Carrasco. Foto: Les Chux

Durante sua pesquisa Marcelle observou que existem algumas ideias sobre quem são e como agem os bons dominadores:

Claro que ser um bom dominador é algo que varia muito, mas em geral é visto com bons olhos aquele que conduz a sessão ou relação de forma sã, segura, e consensual, que sabe ser cruel, porém cuidadoso, que se preocupa com o prazer da submissa tanto quanto com o seu. Ele também tem um papel de instrução, conduz a submissa ao universo das práticas sexuais, o que na maioria das vezes pressupõe que ele seja uma pessoa experiente em vários sentidos. Além disso, muitos discursos de submissas apontam que um bom dominador é aquele que está presente na sua vida “como um todo”, não apenas no BDSM.

Dom Carrasco também destaca a importância de ser um dominador em todos os aspectos:

Dominação para mim não é apenas ter a pessoa de forma sexual, é ter o total controle psicológico, ser obedecido, ter comando de voz e ser respeitado, é como ter todas as ações de sua submissa sem nenhuma objeção através dos meus ensinamentos e doutrina.

Grandes poderes envolvem grandes responsabilidades. E um dominador deve entender isso para ser bem-sucedido, como observa Leandro:

O dominador é responsável por sua peça, deve zelar por ela. Se ele acha que a submissa dele não está sendo suficiente, geralmente é culpa dele por não saber passar seu conhecimento.

Ser dominador requer maturidade

Outro consenso entre os entrevistados é que um bom dominador não esperneia para conseguir o que quer. Ele conduz a submissa sem pressa e de forma natural, como explica Pandora:

Dominação para mim é uma conquista, é um poder que flui. Não vem de gritos, não vem das ordens e não é feita à força. É uma energia muito forte, chega a ser difícil explicar.

Pandora também ressalta que a responsabilidade é outro ponto-chave. Há muitos dominadores que “perdem a cabeça”, porque não sabem controlar o próprio ego e acabam criando regras absurdas. Quando o poder contamina de forma descontrolada o dominador é bem comum que ele queira ter cada vez mais submissas.

Ter ou não ter “irmãs de coleira”?

Dom Carrasco e Sarah. Foto: Les Chux

O termo “irmãs de coleira” é bem popular no BDSM e se refere às submissas que servem a um mesmo dominador, podendo ter relacionamentos fixos ou apenas esporádicos com ele. Questões sobre monogamia levantam opiniões bem diversas entre os dominadores e submissas. Alguns aceitam dividir a atenção, como no caso de Pandora, cujo dominador é casado e ela faz o papel de sub esporadicamente. Najla mantém uma relação de exclusividade, mas não descarta que o dominador tenha outras submissas, apesar de admitir que tem medo de perdê-lo. Larissa acha muito positivo ter “irmãs de coleira”, mas vale lembrar que ela é uma crossdresser que curte outras mulheres, o que torna essa questão mais fácil.

Além de todas as combinações possíveis entre um dominador e várias submissas, também pode acontecer que uma submissa queira ter vários dominadores, por que não? O importante é que o casal combine o modelo de relacionamento para que nenhum dos dois se sinta desrespeitado. Apesar de o “combinado não sair caro”, todos os entrevistados afirmam que relacionamentos entre  um dominador e várias submissas costumam dar errado. Pandora acha que um bom número máximo é de três submissas. Não é nenhum harém, como nos sonhos de muitos dominadores, mas é possível sair satisfeito… Arfaern, outro dominador que entrevistei, acredita que o ideal é deixar tudo às claras desde o começo:

Na negociação da D/s já deixo claro que sou polígamo, não preciso mentir, se aceitarem meus termos os ciúmes passa a não fazer sentido, a não ser que eu aja com injustiça. Como todo ser humano tenho ciúmes, acredito que sempre o casal deva conversar para evitar. Em relação às irmãs de coleira, vejo como positiva a interação entre elas como amigas, como irmãs de coleira, como cúmplices, ou até como amantes.

Mas é possível ser submissa e feminista?

Como ficam as questões de igualdade quando você está se envolvendo em práticas sexuais consideradas degradantes? Para os entrevistados, os ideais políticos de igualdade de gênero não se encaixam no BDSM, porque ele “bagunça” essas noções e torna tudo lúdico. Najla acha importante diferenciar dominadores que exercem seu poder de forma razoável daqueles que defendem a supremacia masculina:

Essa supremacia não se encaixa no BDSM, o que temos são pessoas dominando e outras se submetendo, independente do sexo, gênero e de forma consensual, buscando o próprio prazer. Já a submissão na sociedade é imputada a mulher por conta de um sistema arcaico e de patriarcado que existe há muito tempo e tem raízes mais profundas.

Fausto, seu companheiro, tem uma opinião bastante intrigante sobre o tema, que deixa bem claro que essas “raízes mais profundas” incluem uma desvalorização das características femininas:

Eu vejo o BDSM como machista sempre e mesmo quando há uma dominadora mulher ela também é machista, pois para humilhar e despersonificar seu sub, ela o faz se vestir de mulher e ser penetrado.

Marcelle Silva levantou questões relacionadas a gênero em sua pesquisa e considera que a relação entre machismo e BDSM é (como tudo na vida) controversa:

Percebi que há muitas praticantes que são feministas e que muitas feministas criticam as práticas de BDSM por afirmarem que reforçam o machismo e a objetificação sexual das mulheres. O que acontece é que o BDSM parece ser uma forma de brincar com tudo isso, porque mesmo que as pessoas levem a sério o universo de práticas, tudo é uma forma de transgressão mesmo que pareça reforçar determinadas coisas, como o machismo. Não estou dizendo que não haja machismo, mas que os discursos dialogam entre si, se confundem e riem de si mesmos.