Laura Dias, uma das fundadoras da banda Ângela Carne e Osso no Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi e Laura Vaz Diaz para o Canal Brasil, produção de Luzvermelha.tv

Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Laura Dias, cantora e produtora. No episódio 18 da segunda temporada de Pornolândia elas conversam sobre a Banda Ângela Carne e Osso e seu caráter subversivo. Uma conversa divertida que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay

Laura Dias, uma das fundadoras da banda Ângela Carne e Osso no Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi e Laura Vaz Diaz para o Canal Brasil, produção de Luzvermelha.tv

NP: Se você assistiu “A mulher de todos” do Rogério Sganzerla, você vai lembrar da Helena Inês fazendo a personagem Ângela Carne e Osso. Agora você viaja 45 anos para o futuro e você vai encontrar uma mulher belíssima, nua, cantora maravilhosa. A Laura Dias no palco cantando para exorcizar esse marasmo das coisas como elas são. Mas, primeiro, nós vamos ver uma revolucionária Xgirl de hoje e a gente volta para conversar com essa beleza de mulher, a Laura Dias.

A nossa Xgirl

Xgirl Melissa Müller

E o programa começou com a maravilhosa Xgirl Melissa Müller, uma mulher linda de cabelos coloridos que ficou nua em um ensaio sensual cheio de referências nerds para todos que amam os HQs e a nudez.

Por que Ângela Carne e Osso?

NP: Linda Laura, me fala sobre a sua banda Ângela Carne e Osso. Por que esse nome? Você assistiu muito filme? Você gosta do filme evidentemente.

Laura Dias: Sim, eu assisti o filme. Eu gosto bastante da cenografia do Sganzerla, dos marginais em geral. A banda nasceu em 2010 em um exercício de artes cênicas lá na ECA. Entrei como iluminadora e saí como atriz lá da peça. Ao longo do processo, a gente fez uma banda que fazia intervenções musicais no meio das cenas. E daí eu conheci o guitarrista Fábio Carrilho, que começou a banda comigo. E a ideia era a gente buscar uma anti musa, tentar construir este personagem de uma anti musa. Vieram várias ideias mais gerais que não tinham nenhuma personagem, mas eu tenho também muita influência do Teatro Oficina, do Itamar Assumpção, da Vanguarda Paulistana, da Tropicália.

NP: Eu amo muito o Itamar Assumpção, nossa! Tropicália dá para perceber!

Laura Dias: Pelo menos alguma coisa boa de São Paulo, né gente!

NP: Sim, claro, uma coisa maravilhosa!

Uma anti musa

LD: E daí a Ângela Carne e Osso surgiu como sendo esta anti musa que a gente procurava, a mulher de todos. Então, Ângela Carne e Osso e os Bacanais, a gente resolveu colocar os bacanais como se fossem entidades e não como se fossem pessoas. Bacanal é uma putaria, uma orgia, uma sujeira. E a gente resolveu colocar neste plural, porque os meninos encarnam com meninos de prata essa entidade, essa pulsão sexual que acompanha a vampira, a hipnotizadora, bêbada e fracassada.

NP: Gente, que loucura, está parecendo pornochanchada! Ou o cinema marginal do Ozualdo Candeias, que aliás conheci muito. Você deve gostar!

LD: Nossa, que honra, né!

Revolução e subversão?

Nicole Puzzi e Laura Dias em entrevista para o Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi e Laura Vaz Diaz para o Canal Brasil, produção de Luzvermelha.tv

NP: Agora, esse contato com estas ideias que você estava me contando, que permitiram que vocês se tornassem revolucionários. Uma revolucionária contra o sistema, é isso?

LD: Eu não acho que eu sou revolucionária assim.

NP: Subversiva?

LD: Talvez subversiva. Na universidade, as experiências que eu tive, a maneira como estas referências chegaram para mim sempre foram vinculadas a experiências fora da sala de aula, fora da graduação do que dentro. Foram ocupações de reitoria, ocupações artísticas, ocupações de espaço estudantil, foi uma prisão também em 2011.

NP: Uma prisão!

LD: Uma prisão né, gente, quem não tem? Na verdade, é uma boa colagem de referências assim que a gente tem na pesquisa da Ângela Carne e Osso. Muito diversificado, a gente puxa coisa do punk, coisa de música tradicional, puxa coisa de filme, de música. É uma coisa bem livre o nosso processo criativo.

Ângela Carne e Osso e as performances de nudez

NP: E as performances de nudez? Foi de imediato assim quando surgiu a banda ou foi ao longo do tempo? Houve alguma necessidade?

LD: A nudez sempre existiu como uma questão na banda. O primeiro figurino, primeiro mesmo, eu desenhei uma saia tubinho, meio de índio, tinham os tules do lado e só uma faixa preta na frente da xoxota e uma mais fininha tampando o cu. Daí eu pintava o peito com duas faixas pretas e tinha uma ombreira com penas vermelhas e pretas. Meio que numa tentativa de fazer uma índia meio futurista, loucona, sei lá, era uma ideia.

NP: Uma índia hippie futurista.

As cordas

LD: Daí, na verdade, na ocupação do ouvidor, no ano passado quando a gente foi fazer um show lá, eu conversei com o Daniel Lee, que é um artista plástico amigo nosso, parceiro de alguns tempos já, e ele veio com esta ideia das cordas. Aí, a partir disso, a gente começou a fazer a Ângela inteira nua só com as cordas. Mas, a nudez vem muito mais no sentido de estar íntegro, de entrega.

Eu sempre me senti confortável no lugar do palco colocando a premissa da nudez. Estou aqui íntegra, estou aqui entregue e espero no mínimo o mesmo. Porque, na verdade, as pessoas sempre vêm falar assim, mas não é uma nudez que acaba sendo pornográfica ou sensualizante. É uma nudez muito violenta e eu falo que bom, porque é para ser mesmo, é uma exposição. Você se coloca em praça pública e fala “estou aqui inteira, vocês estão vendo tudo”.

NP: Sem máscara!

LD: Não tem máscara.

Pornoterrorismo na banda Ângela Carne e Osso?

Nicole Puzzi e Laura Dias - Ângela Carne e Osso
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi e Laura Vaz Diaz para o Canal Brasil, produção de Luzvermelha.tv

NP: É uma provocação, porque as pessoas ligam demais a nudez com a sensualidade, sexualidade. Você acha que tem algum paralelo com este trabalho de vocês com o pornô, o dito pornoterrorismo ou o pós pornô? Tem alguma ligação?

LD: Olha, eu nunca estudei o pornoterrorismo propriamente dito. Mas, eu acho que pode ter assim, é uma maneira de você… Eu acho engraçado, no bar secreto, quando a gente tocou, a Lu ficou putíssima porque tinham umas meninas no banheiro falando “essa menina é uma vadia, eu não sou obrigada a ver peito” e bi bi bi. Daí ela chegou assim, muito puta, na frente da platéia, eu dei uma olhada. Percebi que estava rolando uns olhares meio assim, as meninas estavam morrendo de medo, porque estavam com homem lá, entendeu. o Secreto estava com um público super hétero assim, bem heteronormativo e tudo mais. aí eu comecei a olhar para as minas, eu sempre estou meio possuída nos shows, aí falei “vocês acham que eu estou sendo uma vaca, vocês acham que eu sou uma putinha aqui ficando pelada?”.

Enfrentamento

NP: Você falou isso?

LD: “Como é que vocês…”, no microfone. “…como é que vocês vão trabalhar? Como é que vocês agradam o chefe de vocês? Como é que vocês agradam o marido de vocês em casa?”. Eu só lancei essa e ficou aquele ar de “uoww, torta de climão”. Mas, foi uma energia super boa assim.

NP: Enfrentamento.

LD: Foi um puta show com energia boa, que as pessoas deram respostas animais. Mas, é uma provocação mesmo. Tipo, o que você vê na tv todo dia, cara? O que você vê na mulher, são mulheres-objetos, são mulheres com o corpo sendo usado para vender mercadoria, para vender um way of live totalmente machista. Então, quando eu venho aqui só com corda, é uma fera amordaçada, é um signo, é um símbolo de uma mulher que está aprisionada. Se você se identifica com isso, gata, vamos juntas nos libertar. Se você olha para mim e tem o olhar mais machista que o seu namorado, a prisão está em você!

O contato com o público

Nicole Puzzi apresentadora do Programa Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi e Laura Vaz Diaz para o Canal Brasil, produção de Luzvermelha.tv

NP: Como é que as pessoas reagem quando vão conversar com você? Como é que é?

LD: Eu entrei neste show, a gente sempre entra em partes. Primeiro entram os meninos, começam a tocar um “nóis”, começa a fazer uma experimentação louca. Eu entro pelo público meio olhando as pessoas, passando perto, sacando qual que é a do lugar. Eu estava coberta com uma rede e com um palo santo aceso, bem na macumbona passando pelas pessoas, virando bicho já. Daí eu passava do lado de umas meninas e elas faziam “que horror”. Depois eu iquei pensando, você vai no banheiro de manhã e fala “que horror”, você vai tomar banho e fala “que horror”. Sei lá, tem estas reações que você vê [sem emitir som] “Ai meu deus”. Mas, as pessoas em geral vêm com umas coisas muito legais, elas não vêm falar “ai, você é linda” ou “quero ser sua amiga”, te paparicando nem nada.

Questionamentos

As pessoas chegam com uma certa integridade, eu acho muito bonito. A galera chega e fala assim “nossa, você entrou e eu achei muito estranho, achei muito bizarro” ou “achei que você queria chamar a atenção, depois você começou a falar umas paradas muito sem noção. Você começou a cantar umas coisas e eu comecei a pensar e a pirar no que estava acontecendo”. E daí eu repensei que eu estou pensando no meu corpo diferente. Uma menina me falou “pô, hoje eu faço 21 anos e eu mudei totalmente o que eu pensava sobre o meu corpo”. Sabe, as pessoas vêm pensar junto comigo, ninguém chega com “ah, você é ótima” ou “parabéns, você é uma revolucionária” falando o que eu quero ouvir, sabe. A galera chega sempre com questionamentos e conversando. E isso eu acho mais chocantemente bom.

Uma música de Ângela Carne e Osso

NP: Olha, querida, muito obrigada!

LD: Obrigada!

NP: Agora eu queria que você recomendasse uma música da Ângela Carne e Osso para a nossa Sweetie Bird.

LD: Então, a música que eu vou recomendar é a música Cantareira em homenagem ao caos urbano de São Paulo.

Cozinha ao Ponto

E este episódio termina com a receita de Michelada recheado, preparado pelas deliciosas tatuadas Sweetie Bird e Grazzie!