mulheres que trabalham com pornô mostrando placas com conteúdo feminista e em favor dos trabalhadores do sexo

Erika Lust é um dos grandes nomes da pornografia feita por mulheres atualmente. Ela é produtora, diretora e roteirista de filmes adultos que buscam romper com os estereótipos da indústria tradicional. Lust trouxe mudanças significativas para as representações pornô, colocando como elemento principal o prazer em essência, a conexão mais íntima entre os atores e outras perspectivas do sexo. Além disso, busca sempre expressar a sexualidade feminina com uma preocupação estética, contexto coerente e prazeres reais.

Erika Lust - diretora, roteirista e produtora de filmes pornô

Apesar de sua importância no mercado pornográfico contemporâneo, Erika Lust não é a única, tampouco foi a pioneira no que se chama de pornô feito por mulheres. Quais foram as mulheres que revolucionaram o mundo do sexo e das produções cinematográficas pornôs? Quais as contribuições e legados dessas transgressoras?

Mulheres que romperam barreiras, lutaram por seu espaço, expressaram a sua sexualidade, enfrentaram o machismo estrutural e a censura. Sexo frágil?

As mulheres na pornografia – por trás das câmeras

Erika Lust dirigindo filme pornô

Quando se fala em mulher fazendo pornografia, você pensa em quê? Certamente você imaginou uma atriz pornô. As áreas técnicas de direção, produção e roteiro quase nunca são associadas às mulheres. Mas elas estão lá há mais tempo do que a gente imagina.

A pornografia feita por mulheres tem a proposta de trazer o prazer real, a visão feminina do sexo e busca colocar nas produções a questão estética, um contexto coerente e explorar a sexualidade da mulher. Ou seja, traz à tona o protagonismo da mulher em um espaço majoritariamente dominado por homens.

Elas se propuseram, em meio às críticas que isso implica, fazer um conteúdo de qualidade em um lugar em que não eram bem recebidas. E as transgressoras são:

Candida Royalle

Candida Royalle

Ela foi pioneira do que chamamos de pornô feito por mulheres, por produzir filmes eróticos com a perspectiva da mulher. Royalle, que foi atriz pornô nos anos 70, revolucionou o conceito de “casais eróticos” na década de 1980. Um verdadeiro ícone feminista e inspiração na indústria do sexo.

Em 1984, Candida fundou sua própria produtora de pornografia, a Femme Productions. Suas produções eram voltadas para as mulheres e casais, sempre abordando narrativas realistas. Além disso, ela lutou também pela diversidade racial no pornô, produzindo uma série “Femme Chocolat” que apresentava um elenco de artistas e diretores etnicamente diversos.

“Eu me diferenciei criando filmes que são de alta qualidade, genuinamente eróticos de uma maneira mais sensual e realista, contam histórias reais ou pelo menos estabelecem um contexto para o erotismo e isso reflete o que eu acho que as mulheres gostariam de ver tão bem quanto os homens ”.

Ruptura

Candida Royalle - mulher que fazia pornografia antes de Erika Lust

A quebra de estereótipos de gênero era pauta de seus filmes. Foram os primeiros do gênero, retratando personagens femininas fortes, inteligentes e, ao mesmo tempo, sexys experimentando prazer dentro de uma narrativa nem um pouco misógina. E, não contente, ela colocou arte em sua pornografia, elevando seu trabalho a um conceito estético, indo ao lado oposto dos produtos que até então era produzido, “sexo pelo sexo”.

Royalle, portanto, foi uma espécie de força motriz para a mudança na indústria pornográfica ao criticar a desigualdade de gênero e incorporar os desejos das mulheres há cerca de 30 anos atrás. Com tudo isso, ao colocar o protagonismo feminino em toda a cadeia da produção do pornô para apresentar uma sexualidade feminina que até então era renegada, ela orquestrou uma revolução sexual.

Petra Joy

Petra Joy - pornografia feita por mulheres antes de Erika Lust

Petra Joy, nascida em 1964 na Alemanha Ocidental, é uma diretora de cinema, produtora, escritora e fotógrafa. Juntamente com Candida Royalle, Annie Sprinkle e Maria Beatty, é uma das pioneiras do pornô feito por mulheres.

Seu estilo é chamado “art core”, o que significa que o foco de suas produções é a sexualidade expressa pelo olhar feminino, do prazer da mulher e do jogo sensual e criativo. Ela aborda em seus filmes as temáticas do sexo seguro, homens como objetos sexuais, fazendo o papel de inversão do que é visto comumente na pornografia tradicional, bem como traz à tona fantasias das mulheres e homens bissexuais.

Petra é mestre em história do Cinema e sempre explorou os temas voltados para a sexualidade feminina, tendo como tese de mestrado a representação da sexualidade da mulher em filmes nazistas. Em 2003, a Joy lançou o Strawberry Seductress, um serviço fotográfico erótico e criativo para mulheres e casais e produtora de filmes. Em 2004, Joy filmou Sexual Sushi, seu primeiro filme pornográfico alternativo para mulheres.

Petra Joy, diretora, escritora e produtora de filmes pornográficos

Reflexão sobre a sexualidade feminina

Ela filmou “Fantasias Femininas e Sentido, não fingindo!” em 2006. Três anos mais tarde ela criou o Petra Joy Award, um concurso internacional de filmes pornográficos para mulheres. Além disso, ela ministra oficinas de “como fazer seu próprio pornô criativo”. Joy faz a curadoria e produz uma série pornográfica feminista chamada Her Porn e gravou um documentário chamado A Alegria de Pornografia: Minha Vida como Pornógrafa Feminista.

Petra Joy começou a produzir e dirigir os filmes pornográficos em 2004, tendo como objetivo principal fazer uma reflexão sobre a sexualidade feminina. Ela trabalha exclusivamente com artistas amadores, uma vez que busca captar a realidade, uma química verdadeira, sem plasticidade. Ela tem como princípio mostrar sempre o sexo seguro e não mostrar atos que possam ser degradantes para as mulheres.

Em contraste com a indústria mainstream, Joy foca na expressão facial dos atores, sem dar ênfase nas genitálias. São cenas sexuais autênticas, com inversão de papéis – homens sendo penetrados por mulheres -, bissessualidade e outras práticas que podem ser consideradas tabus.

Annie Sprinkle

Annie Sprinkle - pornografia feita por mulheres antes de Erika Lust

Sexóloga, educadora sexual, ex-profissional do sexo, stripper, atriz pornô, editora, escritora e produtora de filmes pornográficos, além ser feminista pró-sexo. Essa é Annie Sprinkle, phd em sexualidade humana pela Universidade de São Francisco.

Ela nasceu em 1954,  na Pensilvânia, Estados Unidos. Ficou conhecida como a “a prostituta e atriz pornô que virou artista e educadora sexual”. No teatro, seu espetáculo mais conhecido é o Public Cervix Announcement, no qual Annie convida o público a celebrar o corpo feminino e ver o colo de útero com um espéculo e uma lanterna. Ela também atuou em A Lenda da Antiga Prostituta Sagrada, peça que apresenta masturbação no palco.

Carreira e o sexo

Annie ingressou no pornô e seu primeiro filme na indústria adulta foi o Teenage Deviate, lançado em 1975. Mais tarde, atuou em seu mais conhecido filme, Deep Inside Annie Sprinkle, o qual ela co-dirigou com Joseph W. Sarno, sendo um dos filmes mais importantes do pornô em 1981.

Sprinkle apareceu em quase 200 filmes, incluindo pornografia hard e softcore, filmes B, loops, vários documentários, vários programas de televisão, incluindo quatro programas da HBO Real Sex. Ela também produziu, dirigiu e estrelou vários de seus próprios filmes, como Herstory of Porn, de Annie Sprinkle, Amazing World of Orgasm.

Annie Sprinkle - diretora, produtora, educadora sexual, sexóloga e atriz pornô

Seus trabalhos e publicações, abrangendo mais de quatro décadas, são estudados em cursos em várias universidades, na história do teatro, estudos sobre as mulheres , estudos de desempenho, estudos LGBT+, e estudos de cinema. Ela também é membro do corpo docente da New School of Erotic Touch , de Oakland, na Califórnia.

Annie é pioneira do ecosex, uma forma de identidade sexual que busca se relacionar íntima, amorosa e sensualmente com a Terra. Ela também defende os direitos dos profissionais do sexo e os cuidados com a saúde, visto que que ela já atuou como prostituta. Ela se identifica como feminista e, em 2009, apareceu no documentário Mutantes: Punk, Porn, Feminism, falando sobre o início do movimento pornô feito por mulheres, bem como suas próprias contribuições para ele.

Em 2017, Annie Sprinkle foi uma das artistas oficiais na exposição Documenta 14, uma das mais importantes exposições artísticas do mundo. Lá, ela apresentava artes e performances visuais, dava aulas e apresentou seu documentário Water Makes Us Wet: Uma Aventura Ecosexual.

Sem dúvidas, uma das mais irreverentes pioneiras do pornô feito por mulheres.

Nina Hartley

NiNa Hartley - ativista pelos direitos dos trabalhadores do sexo

Nina Hartley, nome artístico de Marie Louise Hartman, a mulher com a carreira  mais longeva no pornô. É também pioneira como ativista pelos direitos dos trabalhadores do sexo. Nascida na Califórnia, filha de pais comunistas e budistas, Nina se formou enfermeira nos anos 80, mas pouco atuou na área.

Ao assistir o filme The Autobiography of a Flea de 1976, o primeiro filme de conteúdo adulto dirigido por uma mulher, Sharon McNight (aparentemente, o único filme pornográfico que ela dirigiu), Nina decidiu que seria atriz pornô. Ela começou a atuar nos filmes pornográficos a partir de 1984. Sua estréia se deu no filme “Educando Nina”, mas durante sua faculdade, ela já trabalhava como stripper.

Nina Hartley - pornografia feita por mulheres antes de Erika Lust

E afirmou que quando entrou no negócio adulto foi abençoada. Nina tinha dois itens muito populares: grandes olhos azuis e bunda redonda com uma cintura fina. E sua bunda redonda realmente se tornou a sua marca registrada.

“O sexo não é algo que os homens fazem com você. Não é algo que os homens tirem de você. Sexo é algo com o qual você mergulha e gosta tanto quanto ele “

Hartley se considera uma liberal e feminista pró-sexo. Ela é uma defensora do direito da indústria pornográfica, trazendo à tona as condições de trabalho dos atores e atrizes pornô, chamando a atenção para a questão de saúde e de uso de drogas no ambiente da pornografia.

Belladonna

Belladonna - atriz pornô que trouxe para a pornografia comum cenas hard

Michelle Anne Sinclair, mais conhecida como Belladonna, é uma ex-atriz pornográfica estadunidense. Ela veio de uma família conservadora, o que a fez sair de casa aos 15 anos de idade. Dessa forma, Sinclair abandonou a escola e foi trabalhar como dançarina em Utah. Foi aí que sua carreira no pornô começou: um agente viu seu show.

Ela ingressou na indústria pornográfica em 2000, aos 18 anos. Seu primeiro filme era Real Sex Magazine e, bem no início de sua atuação como atriz ela gravou uma orgia com 12 homens, que foi encenada em uma prisão. Ela ficou conhecida por fazer cenas hardcore que eram consideradas tabu pelos próprios profissionais da área.

Desde então ela apareceu em mais de 300 filmes, incluindo títulos como Service Animals e She-Male Domination Nation. Já em 2002, ela apareceu no filme BDSM Fashionistas, um filme pornô temático que foi muito premiado. John Stagliano, o diretor da produção, descreveu Belladonna como uma mulher com as mais incríveis habilidades sexuais que ele já viu.

No final de sua carreira, Belladonna expressou pesar sobre alguns aspectos de sua carreira. Especialmente, por ter começado a gravar cenas tão pesadas logo no início.

A partir de suas experiências pessoais negativas, ao invés de se tornar anti-pornografia, Bella tomou uma posição de protagonismo na indústria fazendo seus próprios filmes e colocando a sua visão feminina no que era apresentado ao público.

Belladonna - pornografia feita por mulheres antes de Erika Lust

Na direção de filmes

A partir de 2003, Belladonna assinou um contrato com o Sineplex, onde também passou a dirigir filmes. Assim, ao tomar a frente da produção e direção, ela trouxe para o pornô tradicional cenas muito pesadas que, até então, eram restritas aos filmes fetichistas.

Como reconhecimento, Belladona foi muito premiada no mercado adulto. Recebeu o AVN Awards, que é patrocinado e apresentado pela revista americana AVN e foi nomeada para 43 desses prêmios, dos quais ela ganhou 10. Em 2011, ela entrou para AVN Hall of Fame. Venceu também prêmios XRCO, que são concedidos anualmente pela Organização X-Rated Critics para trabalhadores do entretenimento adulto. Além disso, venceu o FAME (Fãs de Prêmios para Mídia e Entretenimento para Adultos) e os prêmios Ninfa da Espanha.

Esses são apenas alguns exemplos do grande reconhecimento da curta carreira de uma das mais reverenciadas mulheres do pornô.

Suze Randall

Suze Randall - primeira mulher a vender fotos nuas para o the Sun e a fazer uma foto de nu frontal completo

“Eu estou preparada para fazer qualquer coisa que eu goste de fazer, e eu gosto de sexo.”

Ela é um dos grandes nomes do pornô. Suze foi a primeira mulher a vender suas fotos nuas para o jornal The Sun. Depois se tornou a primeira fotógrafa da revista erótica Playboy a captar a imagem de um frontal completo. Ela é também uma das primeiras diretoras de filmes pornôs femininos, fez Kiss and Tell em 1980 e atualmente é presidente de um dos maiores sites de conteúdo adulto do mundo, a Suze Network.

Vinda de uma família que questionava as autoridades, Randall afrontou a indústria que dizia não ter espaço para ela.

“Minha família me incentivou a resistir aos agressores”

Depois da escola, Suze trabalhou como enfermeira no St George’s Hospital em Londres, emprego do qual gostou. Mas as coisas mudaram no seu aniversário de 22 anos, quando ela conheceu o marido e parceiro de vida, Humphry Knipe. Segundo ela, foi nesse período que foi apresentada ao mundo.

E esse mundo que ela se referia era o universo hippie, em uma época de questionamento da sociedade e da busca pelo amor livre. Havia o Wet Dream Festival de Amsterdã, que procurava explorar a comunicação através da nudez e do sexo. Lá eram passados filmes pornográficos o dia todo e tinha algumas festas swingers. Foi um dos lugares em que sua rebeldia e a sexualidade se uniram para dar voz a Suze Randall que conhecemos.

Suze precisava de dinheiro. Ao ver um anúncio da International Times para ser modelo topless, que oferecia 100 libras por dia, ela decidiu seguir com trabalho de modelo de nu. Após um ensaio para a Vogue, no ápice de sua carreira como modelo, Suze resolveu comprar sua própria câmera.

Fotógrafa pornográfica

Suze Randall -fotógrafa da Playboy

Ela fotografava nos bastidores de desfiles de moda, registrava suas amigas nuas e vendia as imagens ao The Sun. Havia poucos profissionais que trabalhavam com a nudez naquele momento na Inglaterra, muito menos mulheres. Por isso os tablóides lhe conferiram o apelido de “garota rebelde da câmera” em tradução livre.

Segundo ela, os homens se preocupavam muito com a parte técnica e esqueciam das modelos. Suze, ao contrário dos homens, tentava sempre fazer com que as meninas que seriam fotografadas ficassem à vontade. Esse jeito cuidadoso com as modelos fez com que sua carreira crescesse.

A partir daí, Suze foi convidada para trabalhar na Revista Playboy. Lá, ela  fotografou Lillian Müller para a capa da revista, tornando-se a primeira mulher a fotografar um nu frontal. A playboy era um clube de garotos e, claro, Suze se destacou por ser uma mulher forte e fazer um belo trabalho. Isso mesmo diante de críticas e desprezo comuns às mulheres que destoavam das normas sociais estabelecidas.

Maria Beatty

Maria Beatty - pornografia feita por mulheres antes de Erika Lust

Beatty é uma cineasta, nascida em Caracas na Venezuela. Além de atuar, dirige, escreve e produz conteúdos, geralmente gravados em preto e branco. Sua temática principal é a sexualidade feminina incluindo o fetichismo e o universo BDSM.

Ela tem como referências cinematográficas o expressionismo alemão, o surrealismo da França e filmes americanos com o estilo noir.

Por vezes, Maria atua nos filmes que produz e dirige, como fez em “The Elegant Spanking” de 1995, e em “The Black Glove” de 1997. No ano de 2007, suas produções lhe renderam o prêmio de Melhor diretora do FICEB.  

O mais legal é que a Xplastic dividiu um DVD com ela em uma coletânea de uma produtora alemã.

Uma conclusão e um paradoxo

A pornografia feita por mulheres, mesmo antes de Erika Lust, sempre foi uma afronta a sociedade como um todo, indo na contramão da limitação do direito à liberdade de expressão, que era restrita a um único gênero. Mulheres como Candida Royalle, Suze Randall e Petra Joy trouxeram à tona debates importantes em um momento que nós, mulheres, ainda nos recuperávamos da imagem de serviçal doméstica dos anúncios de revista.

Produzir pornografia e ser mulher pode parecer um grande paradoxo. Mas, elas inverteram papéis e desmistificaram a ideia de que nesse mercado só poderíamos ocupar o espaço de objeto sexual, ainda que o produto fosse pornografia.

Com propostas diferentes do que se via e questionando o protagonismo do prazer masculino, elas alteraram as estruturas de poder tradicionais do mercado adulto. E é aí que vemos algo interessante acontecer: uma reflexão sobre a sexualidade de todos os gêneros e uma busca cada vez menos silenciosa pela liberdade do nosso corpo e dos nossos prazeres.