Faroeste Daspu no Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi para o Canal Brasil. Produção de luzvermelha.tv

Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Paulo Faria, diretor da Companhia do Faroeste, e Elaine Bertolanza, colaboradora da Daspu. No episódio 5 da segunda temporada de Pornolândia eles conversam sobre a parceria Faroeste Daspu, sobre a Rua do Triunfo, sobre a questão da prostituição e também sobre o renascimento da Pornochanchada. Uma conversa divertida que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay

Faroeste Daspu - Nicole Puzzi entrevista Paulo Faria e Elaine Bertolanza

Nicole Puzzi: Aqui neste espaço que fica na minha querida Rua do Triunfo, a Boca de São Paulo, a Boca da Pornochanchada, onde eu passei os melhores momentos da minha vida e da minha carreira, está acontecendo um movimento de renascimento. Renascimento da Pornochanchada e o ponto de encontro é a Companhia do pessoal do Faroeste. Aqui você vai se deparar com pessoas como Mário Vaz Filho, a Noelle Pine, Débora Muniz e muita gente da Pornochanchada e até o Zé do Caixão.

E aqui é também a sede brasileira da Daspu. A Daspu, vai me dizer que você não conhece? A Daspu é uma marca de roupas que promove a cidadania das prostitutas. Nós vamos conversar com Paulo Faria, da Companhia Pessoal do Faroeste, e com a Elaine Bortolanza, da Daspu. E eles vão explicar melhor o que é que está acontecendo por aqui. Mas, antes, a gente vai ver aquela mulher maravilhosa que vocês gostam: a nossa Xgirl!

A nossa Xgirl

Conheça todas as nossas Xgirls!

Companhia Faroeste

NP: Paulo Faria, eu gosto muito de você e você sabe disso. Me fala um pouquinho sobre a Companhia Pessoal do Faroeste.

Paulo Faria: Então, a Companhia Pessoal do Faroeste completa este ano 17 anos. A gente chama Pessoal do Faroeste, porque um ano após a morte do Renato Russo a gente fez uma homenagem com um tributo inspirado na letra dele Faroeste Caboclo. Só que um ano após a estréia, o espólio do Renato Russo entrou com um processo para tirar a peça de cartaz ou a gente pagar milhares por uma apresentação.

Eu fui orientado pelo próprio advogado do Renato em vida a responder o processo e no final eu ganhei. Só que a gente foi para as manchetes como “pessoal do faroeste” por conta dessa polêmica. Na sequência a gente veio para São Paulo e, quando a gente escolheu essa região, era simplesmente a cracolândia. A gente mesmo não conhecia a Boca, a Rua do Triunfo. Foi um mergulho nesta região em que a gente foi descobrindo a importância da Santa Efigênia, da Luz, e foi quando eu vi que a Boca estava abandonada, esquecida.

NP: Exato!

Paulo Faria: Eu mesmo quando estava aqui não sabia que a Rua do Triunfo era a Boca do Lixo. E aí, né, veio David Cardoso, veio essa trupe toda que você falou do Vaz, Diomédio…

NP: Clery Cunha.

Marginais

Paulo Faria: Exatamente, foi encontrando. A gente fez um documentário e foi aí que a gente decidiu contar a história daqui da rua, não esquecendo também a história do que é hoje a região. Como este termo cracolândia que as pessoas ouvem falar e, à principio, tem um repúdio, tem um medo. E hoje a gente desenvolve ação lá na cracolândia com braços abertos. A gente viu que é uma questão humana. Fomos, por exemplo, contra a internação compulsória, de tirar luz daqui. A gente convive, até porque sempre foi uma região que agregou as prostitutas, os bandidos, os traficantes…

NP: E a Pornochanchada, porque nós éramos marginais naquela época.

Paulo: Então, tudo isso tem mobilizado público, a gente no início do ano ganhou um prêmio super legal por todas estas ações que a Companhia vem desenvolvendo. E o prazer enorme de ter você aqui, de volta à Rua do Triunfo, a gente poder proporcionar este encontro e essa retomada do cinema e da história. Então, como você, também sou apaixonado por esta região. E foi quando a gente foi fazer uma peça sobre as prostitutas que a gente conheceu a Daspu, a Elaine, a Gabriela Leite. E isso tudo se transformou em uma ação política.

A Daspu

NP: E a Daspu, Elaine? Me fala da Daspu!

Elaine Bertolanza: A Daspu surgiu em 2005 dentro de um movimento que a Gabriela Leite começou a organizar, um movimento de prostitutas no Brasil. Ela começou aqui na Boca do Lixo, em 1979 foi a primeira manifestação que rolou aqui depois de que um delegado da polícia violentar várias prostitutas, duas morreram, uma travesti e uma prostituta. E a Gabriela, então, começou a movimentar isso aqui, essa luta pelos direitos das prostitutas.

E a Daspu surgiu, então, nesse movimento dentro da Vida, que é a organização que ela criou no Rio de Janeiro como uma forma de poder falar sobre a questão sem necessariamente ter que viver em uma militância dentro de uma organização só de prostitutas. É poder dar visibilidade para isso, conversar com as pessoas, poder discutir a questão da liberdade sexual, poder chamar as pessoas para esse movimento. Derrubar um pouco desse preconceito que ainda existe até hoje e que é um hipocrisia, porque tem todas as casas de prostitutas aí, a gente tem as prostitutas nesta região, na cidade e a gente não reconhece isso como um trabalho, como um direito, como algo que nos pertence também.

O maior palavrão do mundo

NP: A gente fala sobre prostituta “A prostituta, a puta”. Já vi muita mulher da altíssima sociedade, seríssima, pessoa que todo mundo respeita, ser muito mais vagaba… Vamos dizer o termo assim bacana, vagaba do que muitas prostitutas assumidas.

Elaine Bertolanza: É que há uma diferença grande, porque é o maior palavrão do mundo essa coisa da puta, de ser “a filha da puta”, “sua puta” fica essa dicotomia, essa loucura que é a puta sempre explorada, a coitada…

NP: Estigmatizada.

Elaine: Então, este estigma é muito grande. Então, qualquer situação em que um mulher se comporta diferente ela é vista como puta.

Não existe prostituição infantil

Paulo Faria usando camiseta da Daspu
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi para o Canal Brasil. Produção de luzvermelha.tv

Paulo: Sempre quando a gente fala de prostituta, a gente pensa naquela mulher que é explorada, que é coitada, que tem que trabalhar para bancar os estudos. E eu conheci várias prostitutas neste percurso, mulheres que querem ser prostitutas, porque ganham bem, têm prazer com o sexo, não são exploradas. E também é a coisa de associar a prostituição com a exploração infantil, porque não tem a prostituição infantil porque tem que ter mais de 18 anos para ser prostituta.

Elaine: Não existe prostituição infantil. Então, essa…

NP: O que existe é exploração sexual infantil!

Paulo: Exploração sexual infantil, assim como tem exploração da mão de obra…

Elaine: Como também tem exploração sexual adulta, até porque a gente tem a questão do não reconhecimento do trabalho de prostituta como um trabalho. Depois eu vou falar um pouco sobre isso, mas acho que é nesse lugar que fica esse manto do crime que está ainda ligado Às casas, à questão de se confundir com a exploração sexual de menores ou com o tráfico é o que prejudica muito este olhar. E também por isso que a Daspu surgiu. A Gabriela não aguentava mais ficar repetindo assim, desde a década de 1970, esse discurso como prostituta que veio para a prostituição por escolha. Ela estudava na USP, fazia Ciências Sociais e veio para cá. E para firmar esse lugar, da liberdade sexual, então eu acho que tem tudo a ver esse movimento da Boca.

Os Planos da Faroeste Daspu

Companhia Faroeste

NP: Paulo, e os planos para os próximos anos da Companhia do Faroeste, me conta.

Paulo: Bom, os planos da Companhia, para teatro, é retomar o “Luz Negra” que encerra a temporada e vai voltar no segundo semestre. A gente lança ainda este ano o filme “Luz Negra” que é ficcional, junto com a própria peça. E temos um plano aí em comum, que é o teu texto que eu vou dirigir.

NP: A pornochanchada que te pariu! É bom o nome, amei!

Paulo: E hoje a gente é uma produtora de cinema. A gente vai fazer “A Mulher Macaco” você como mulher macaco, com David Cardoso. Então, a ideia é trazer estes ícones, estes deuses e deusas da Pornochanchada, do cinema da Boca com a Mulher Macaco que é lona de circo e tem tudo a ver. Então, a gente conseguir durante estes dois anos filmar Mulher Macaco.

Daspu

Elaine Bertolanza no Pornolândia
Bastidores do Pornolândia com Nicole Puzzi para o Canal Brasil. Produção de luzvermelha.tv

NP: Ah, com certeza, né! Agora, Elaine, me fala as ações da Daspu que está em parceria com o pessoal do Faroeste.

Elaine: A gente chegou aqui em 2013, a Daspu no Faroeste, porque estava acontecendo “Homem não entra” que é uma peça sobre a prostituição, de como as prostitutas foram expulsas e ocuparam essa região.

Paulo: Expulsas do Bom Retiro e vieram para cá.

Elaine: Expulsas do Bom Retiro e ocuparam aqui, o quadrilátero do pecado, enfim, esta rua. Então, a Daspu veio parar aqui porque foram entrevistar a Gabriela no processo de pesquisa do “Homem não entra” e eu estava lá e acabei conhecendo o pessoal do Faroeste e vim para cá. E depois a gente foi pensando outras ações, que é fazer ações e convidar as prostituas, convidar outras pessoas da região que tem a ver, personagens que tem a ver com esta história da boca também, artistas e simpatizantes da Daspu.

E a gente foi trazendo o pessoal para cá, porque a Daspu tem muito mais essa coisa muito mais de intervenção, de performance, de convocar as pessoas a pensarem a prostituição e o lugar em que essas prostitutas vivem como um direito. Então, a gente vive isso nos desfiles. É uma marca que foi virando muito mais um dispositivo para ocupar os lugares, convocar outras pessoas e para dar visibilidade para o movimento de prostitutas do que uma marca só de roupas.

NP: Obrigada Elaine, Obrigada Paulo! Parabéns, viu!

E agora, depois que eu conversei com estes dois queridos nós vamos até a cozinha! Cozinha ao Ponto com Sweetie Bird.

Cozinha ao Ponto

E o episódio termina com a deliciosa receita de Mousse de Maracujá preparada pelas duas gostosas tatudas, Sweetie Bird e Grazzie.