Amara Moira no Pornolândia

Neste episódio Nicole Puzzi entrevista Amara Moira, escritora e travesti. No episódio 25 da terceira temporada de Pornolândia eles conversam sobre os dramas e preconceitos vividos pelas pessoas trans, sobre as violências, sobre prostituição e sobre sexualidade. Uma conversa interessante que você poderá ler na transcrição a seguir, ou assistir diretamente no Canal Brasil na Globoplay.

Nicole Puzzi e Amara Moira sentadas lado a lado

Nicole Puzzi: Ela nasceu menino e hoje é uma mulher trans. Amara Moira pode falar com propriedade sobre prostituição e sobre o drama de ser diferente entre os diferentes. E é sobre isso que vamos conversar, sobre as infinitas possibilidades que temos por sermos seres humanos. E logo depois deste papo interessantíssimo, teremos a nossa Xgirl super transada!

E se eu fosse puta?

E se eu fosse puta, hum? Esse é o título de um livro da Amara Moira que está aqui para falar deste livro. E se nós fôssemos putas?

Amara Moira: Prazer!

NP: Me fala sobre o seu livro.

Amara Moira: Ah, é um livro muito curioso, assim. Venho escrevendo ele há um dois anos já, eu tinha um blog, tinha medo de como seria essa vida como prostituta. E eu queria dividir um pouco destas minhas experiências, destas minha angústias com todo mundo que estivesse lendo ali. E as pessoas foram acompanhando a minha trajetória, desde do antes, o durante, até o depois.

Prostituição

NP: Você foi prostituta?

Amara Moira: Durante um ano e meio eu trabalhei com prostituição.

NP: Pera, para, para, que eu quero te perguntar uma coisa!

AM: Diga lá!

Quem é Amara Moira

NP: Me fala você! Você é um enigma para mim. Você é prostituta, você é homem, você é mulher, o que você é?

AM: Então, hoje eu tenho anos, né, mas passo pela idade de 24!!!

NP: Linda.

AM: Mas, até meus 29 anos eu ainda vivia com um homem. E foi 29 anos, no dia primeiro de maio, dia do trabalho para a primeira pessoa me chamar de Amara. E é engraçado pensar que demorou tanto tempo… E quando me perguntam isso eu geralmente respondo que era esse medo do mundo que teria para mim, né, a partir do momento que eu falasse “sou Amara”. Esse medo meu de cair na prostituição precária, de ter que me prostituir por migalhas, por dinheiros absurdos, né.

NP: Você se prostituiu em Campinas?

AM: Isso!

NP: Você se prostituiu em Campinas em um lugar que não tinha glamour nenhum?

AM: Nenhum!

Prostituta antes de se prostituir

NP: E assim, tinham pessoas humildes. Quais eram os desejos, os sonhos destas pessoas humildes, os seus sonhos, misturados neste local onde você se prostituiu em Campinas?

AM: É curioso, né, porque pensar que quando eu comecei a minha transição um dos meus maiores medos era me prostituir, mas que ao mesmo tempo era também aquilo de quem vai deixar se permitir gostar do seu corpo, quem vai querer ter relação com você desde então. E parecia que as pessoas começaram a me tratar como prostituta mesmo antes de eu ser prostituta. Então, eu ia para os lugares e então os caras vinham discretamente perguntando meu preço na rua, no metrô, no ônibus. E eu comecei a perceber que só existiria vida afetiva, vida sexual de verdade quando eu… era mais fácil cobrar por sexo do que eu tentar estabelecer relações não pagas. Eu queria que homens desejassem meu corpo, eu queria me sentir desejada, eu queria me sentir mulher, travesti, eu queria fazer parte daquele grupo que eu admirava tanto. E, por mais que fosse uma prostituição sem glamour, era incrível aquilo! Era uma liberdade tão grande, um foda-se sociedade tão grande, era um “nós aqui somos suficientes”, “A gente se basta”. E eu queria fazer parte disso.

Amara Moira e a violência

NP: E a violência com travesti? Porque nós sabemos que tem muita violência!

AM: Acho que as grandes violências que eu sofri desde que eu comecei a minha transição foi da polícia. Foi um dos grandes lugares que eu sofri violência até hoje. Revista abusiva, todo tipo de humilhação, tentativa de deslegitimar a minha identidade, me tratando no masculino, me tratar pelo nome de registro. Na rua, acho que a grande violência que sofro é menos a violência física de golpe ou de pancada. É mais a violência do assédio, né. Qualquer lugar que você vai é gente tentando passar a mão na sua bunda, é alguém chegando de lado e sussurrando alguma coisa obscena como se você fosse um corpo á disposição de quem quer que seja, né. Isso é violento também, né?

NP: Muito violento! Sabe, eu acho que isso é muito importante de se falar, porque muitos homens e muitas mulheres desconhecem esse drama que uma travesti passa. É um drama de que parece que o corpo pertence a qualquer um.

AM: As pessoas acham que a gente transaciona, porque a gente gosta de homem. E já que a gente gosta de homem, essa é a nossa missão no mundo, só isso que a gente pode fazer. Tanto que a nos jogam para a prostituição, acho que por isso também, né. Tem pessoas que falam assim “ah, mas você transicionou, é bissexual? Como assim?”. Tipo, eu namoro uma mulher e isso para as pessoas é inconcebível.

A sexualidade de Amara Moira e o espanto social

NP: Não! Menina, às vezes você me faz dizer pera, para, para… Você namora uma mulher?

AM: Sim!

NP: Como?

Amara faz um gesto de parecer não entender a pergunta..

NP: Não, eu aceito tudo, tudo. Para mim não tem nada, sem o menor preconceito. Mas, a ideia que se tem é que uma travesti namora homem e você namora uma mulher.

AM: Eu era bissexual antes da transição, já. Eu gostava de homens e de mulheres. Seria estranho se depois da transição eu mudasse isso, né. Eu continuei gostando de homens e mulheres e, hoje sou capaz de me relacionar com os dois, mas hoje estou namorando uma mulher.

Metralhadora de olhares

NP: As pessoas ficam chocadas?

AM: Quando a gente anda na rua, as pessoas ficam olhando. Não é o mesmo tipo de olhar agressivo de quando estou andando com um homem. Quando eu estou andando com um homem, acho que a sociedade sente ódio. Quando eu estou andando com uma mulher, as pessoas não conseguem conceber isso. Aí ficam olhando para a gente tentando entender qual é o truque. Ficam olhando para um, para a outra e de repente vem o bug, sabe? Tela azul. E as pessoas deixam de tentar entender, mas elas continuam olhando. É uma metralhadora de olhares, o tempo todo as pessoas tentando entender o que estão vendo. As pessoas não conseguem compreender.

O que os homens queriam de Amara Moira

Nicole Puzzi, apresentadora do Pornolândia

NP: O que é que os caras queria mais fazer com você? O que eles queriam?

AM: Então, é muito interessante pensar… A prostituta é… Se a sociedade quisesse saber os homens que ela criou, ia perguntar primeiro para as prostitutas. Ver os homens sem máscara, porque eles tiram a máscara quando vão encontrar com a gente. Aí pedem o que eles não ousam pedir para ninguém, assumem o que eles não assumem para a própria sombra. Uma das coisas que foi mais deliciosa, mais gozoza da prostituição foi ver estes homens de uma perspectiva tão nova. Nossa, eles são assim então? Aí chegavam e você tem que começar a entender as leituras na entrelinhas, né. Então, quando ele chega e fala “faz o que quiser de mim”, ele não quer que eu faça o que quiser dele…

NP: Ele quer te dar o rabo…

AM: Exatamente! Ele quer que você vá lá no cuzinho dele, ele quer que você vá conhecer o corpo, fazer com que ele sinta…

NP: Vamos falar, os homens que se dizem hétero e, às vezes, muito religiosos…

AM: A maioria é casado.

NP: Ah, eu sei disso. Eu sei…

AM: Aliança no dedo e tudo. Mas, é terrível isso, né, porque vai fazendo com que a sociedade reproduza esse mecanismo e não se liberte destas repressões, né.

O livro de Amara

NP: Eu adorei esse título, porque ás vezes eu me pergunto “e se eu fosse puta?”. Nunca fui, muita gente acha que eu fui. Foda-se.

AM: O título é um convite ao leitor se colocar na minha pele, sentir um pouquinho.

NP: Agora, você é sucesso de venda com o teu livro

AM: Quase esgotando a primeira tiragem. Em um mês, sumiram os livros das prateleiras.

NP: Menina, você vai ter um monte de tiragem. E como é que as pessoas fazem para te encontrar?

AM: Ah, Facebook…

NP: Tá no Instagram?

AM: Estou no Instagram também.

NP: Ah, então a gente vai…

AM: Tirar uma foto aqui.

NP: Também. E vamos seguir uma à outra.

AM: Por favor! Agora.

NP: Adorei você!

AM: Muito prazer!

NP: E agora você vai ficar com a sensualíssima Xgirl.

A nossa Xgirl

Xgirl Katia Braga

E este episódio termina com a maravilhosa Xgirl Katia Braga, uma ruiva que ficou nua em um ensaio sensual que revela as delícias de ser TRANSformadora.