Alexandre Medeiros, também conhecido como Alexandre MAD, é parceiro da XPlastic a algum tempo e agora teve um filme exibido no PopPorn Festival 2012.

1. Qual sua formação? Você trabalha com o ramo audiovisual mesmo?

Alexandre Medeiros: Sou formado em ciências sociais, com mestrado em sociologia e um doutorado incompleto, também em sociologia. Acabei abandonando a academia para me dedicar a experimentos com fotografia e vídeo, sempre tendo como foco o corpo em situações limítrofes, a sexualidade, a pornografia. Tenho especial interesse pelas formas de desejo que são culturalmente marginalizadas ou que habitam os subterrâneos da sexualidade, como o homossexualismo, o universo BDSM e as práticas de fetiche. Sexo é subversão, uma matéria prima de luxo para se fazer arte sabotagem ou para se promover o terrorismo poético. A pornografia é a ferramenta para isso, a arma.

2. E como começou seu interesse por vídeos eróticos e pornôs.

Alexandre Medeiros: Antes de me envolver com produção, eu já me impressionava com trabalhos de caras como Eric Kroll, Richard Kern, Roy Stuart, Guy Lemaire, Gilles Berquet, Witkin, etc., fotografias que desafiavam o senso comum acerca da sexualidade, conduzindo a imaginação para além das fronteiras estabelecidas pelos preconceitos da sociedade sobre o sexo, erotismo & desejo. De certa forma, a faculdade de ciências sociais estimulou meu interesse em torno do corpo, da problemática do desejo e da sexualidade. Ainda na faculdade, passei a realizar experimentos com fotografia e vídeo. Depois de um tempo, descobri a obra de Bruce LaBruce. A cagada estava feita. Percebi que fazer um vídeo ou uma foto poderia ter o impacto de um coquetel molotov. Então, pornografia passou a ser sinônimo de política radical & guerrilha.

Bia Roman por alexandre medeiros
Ensaio fotografado por Alexandre Medeiros.

3. Conte-nos sobre surgiu a ideia de gravar esse vídeo?

Alexandre Medeiros: Como mencionei anteriormente, meu interesse está naquelas formas de manifestação do desejo que escapam ao socialmente aceito, estabelecido, ou as chamadas formas alternativas de expressão do desejo. Esse negócio de “pau-buceta-cu” me cansa um pouco. Não que eu não aprecie. Particularmente, adoro. Mas me fascina a idéia de tomar outras partes do corpo como estrategicamente erógenas, a reinvenção do sexo através da valorização de práticas sexuais que não se concentram na relação restrita “pau-buceta-cu”. Eu sou obcecado pelo universo das práticas de fetiche, S&M. Quando eu tinha 6 anos e estava no jardim de infância já ficava excitado com minha professora tirando os sapatos e esmaltando as unhas dos pés em plena sala de aula. No jardim de infância, pelo menos no passado, as crianças não fazem muita coisa. As professoras se limitavam a distribuir brinquedos, gravuras de coelhos mimeografadas para recortar e colar. A professora distribuía os brinquedos, depois sentava, tirava os sapatos e ficava “bolinando” os pés. Isso me deixava completamente louco. O vídeo ABSINTHE é um experimento visual que explora meu desejo visceral em torno do fetiche por sapatos & pés. Creio que a concepção estética do vídeo, a direção de fotografia e arte, que fornecem um aspecto onírico ou de delírio à narrativa, são consequências do meu modo caótico de perceber o mundo. Meus filmes são uma maneira que encontrei para me comunicar com as pessoas, são fragmentos da minha pessoa, das minhas visões de mundo e sexualidade. Por isso o aspecto caótico na forma como utilizo os elementos diegéticos ou narrativos, pois são um reflexo daquilo que eu sou. Eu sou isso. Meus trabalhos representam um retrato fiel de minhas obsessões, fantasmas, delírios.

4. Como realizou este trabalho? Verba pública, privada, que equipamentos usou?

Meus trabalhos são realizados com verba pessoal, na base da guerrilha, sem respeitar regras, sem pedir permissão em espaços públicos, trabalhando sempre no limite da legalidade e na base do surto. Equipamento utilizo o que tiver mais próximo. Se tiver que filmar com um celular, eu filmo. Costumo afirmar que quando já tenho as imagens decupadas na mente, quando consigo fechar os olhos e visualizar mentalmente os planos de filmagem, o trabalho está 99,9% pronto. Essa primeira parte é a mais complicada e angustiante, já filmar e editar representam a consequência. Depois é só ir pra rua e tentar não ser preso. Em 2007, realizei o vídeo FILTHY, com um orçamento inferior a R$ 100,00. O vídeo foi selecionado para a mostra competitiva do Mix Brasil, foi exibido no Porn Film Festival Berlin e num festival de cinema sobre diversidade sexual em Tel Aviv. Gastei um valor ridículo e o filme foi considerado uma bomba, um insulto aos valores e visões de mundo de muita gente. O que eu poderia desejar mais?

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Filme dirigido por Alexandre Medeiros

5. Seu vídeo está em uma mostra onde parte da renda vem do apoio de pessoas que gostam da ideia. Você acredita que essas novas ferramentas de financiamento baseadas na internet (Crouwdfunding) podem contribuir para o seu trabalho? Isso tem te ajudado diretamente?

Eu acho isso do caralho, é claro que a internet representa uma ferramenta importante. No que diz respeito à pornografia, estamos tratando de um tema que ainda é tabu, que sofre forte preconceito. Então é complicado contar com verba pública para promover um evento que trata de um tema que sofre forte estigma. Neste caso, é imprescindível o apoio daqueles que apreciam a pornografia para construir um evento cujo foco é um tema ainda marginal. A verdade é que o sexo permeia a sociedade como um todo, inclusive políticos hipócritas. Mesmo a bancada evangélica gosta de foder e bater punheta. No entanto, na hora de promover um evento que trata de um assunto (sexualidade) crucial para entender sobre o que somos como indivíduo e sociedade, existe uma forte tendência das agências oficiais de financiamento virarem a bundinha para a parede e negarem recursos por se tratar de um festival que aborda temas “obscenos”. Então fodam-se esses caras. Pornógrafos de todo o mundo, uni-vos!

6. Qual a sua opinião sobre produzir filme no Brasil e aquilo que tem sido produzido?

Na real, quando faço um filme não penso muito nisso. Meus filmes tem uma linguagem estética que escapa radicalmente do pornô nacional. Creio que meus filmes possuem uma forma nômade. Particularmente acho o pornô nacional uma bosta. Não quero puxar o saco, mas a única coisa que gosto muito daqui são os vídeos da XPLASTIC, feitos com alma, na base do DO-IT-YOURSELF, sem frescuras, mostrando o submundo. Bato cabeça para vocês (e punheta também, rsrs).

7. Gostariamos de saber mais detalhes sobre o seu roteiro.

Como afirmei antes, meus filmes nascem na base do surto & delírio. Não tenho muito controle sobre meu processo criativo. Quando eu ainda conseguia dormir durante a noite, eu acordava às 3 da manhã para anotar detalhadamente imagens que haviam invadido meu sono. Alguns trabalhos, mesmo depois de finalizados, só consegui entender o sentido daquelas imagens depois de meses ou mesmo anos. Não gosto de seguir uma lógica “cartesiana”, convencional, de construção narrativa. Por isso sou fascinado pelos filmes de David Lynch, Luis Buñuel, Alejandro Jodorowsky, Svankmajer, e todos os caras que fazem um cinema do inconsciente.

8. O que pretende com este vídeo?

Eu poderia escrever um monte de merda pseudo-intelectual aqui. Eu demorei muito tempo para entender o objetivo real dos meus filmes. Hoje acho que posso resumir no seguinte: com meus filmes, eu pretendo me comunicar. Não consigo mais fazer isso com precisão sem a ajuda deles. Meus filmes são a forma mais honesta de me comunicar com as pessoas, pois eles são um retrato fiel daquilo que eu sou, um quadro fiel dos meus desejos, obsessões, fantasmas, eles representam meu mundo. Quem assiste um trabalho que construí, sabe aquilo que sou. Isso não apenas num sentido positivo. Se a pessoa achar um lixo, pode ter certeza que também sou um lixão, rsrs. Sou aquilo que registro nos meus trabalhos.

9. Quais suas influêcias?

Minhas influências não se resumem ao cinema pornográfico. Envolve também a literatura, passando por autores como Bataille, Sade, Foucault, Deleuze, Judith Butler, teorias feministas radicais, teoria queer, anarco-feminismo, outros autores como Burroughs, Genet, etc.. Qualquer coisa escrita ou filmada que possa representar um escarro aos valores da sociedade, que foda com a paciência dos conservadores. Mais especificamente no campo do vídeo e cinema, cito primeiramente os caras do movimento SINEMA OF TRANSGRESSION (cinema com “s” mesmo), como Nick Zedd e Kern. Amo os trabalho do Bruce LaBruce, da Maria Beatty e do Eon McKai.

10. Onde encontrar outros trabalhos?

Principalmente no site da XPLASTIC, meus “parceiros de crime”. (Veja os vídeos aqui)