Heverton Lima é o diretor de um dos filmes da mostra PornôBr do PopPorn Festival, o Como Melado Lambuza, que rolou esse final de semana em SP. Aqui ele conta mais sobre o trabalho pra gente.
 

1. Qual sua formação? Você trabalha com o ramo audiovisual mesmo?
Sou formado em Cinema na UFF e trabalho com produção audiovisual.

2. E como começou seu interesse por vídeos eróticos e pornôs?
O interesse por temáticas sexuais sempre me acompanhou, desde os primeiros anos da adolêscencia. A vida sem sexualidade é muito fria e sem graça. Hoje o sexo ainda é um tabu. Por mais que tenhamos avançado em quebrar as regras do “não-falar”, percebe-se que ainda é um assunto “marginal”.

3. Conte-nos sobre como surgiu a ideia de gravar esse vídeo?
Esse curta nasceu da disciplina “edição e montagem” enquanto estudava na UFF, em 2008. A professora Eliane Ivo pediu para fazer um trabalho de edição que começasse pela escolha de um ditado popular, depois uma colagem, um storyboard, roteiro e, por fim, a edição de um vídeo que poderia ter imagens captadas por qualquer suporte, celular, câmera fotográfica, e outros. Então, escolhi o ditado “Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”. A conotação sexual desse ditado trouxe a carga simbólica para a colagem com partes de corpos de revistas pornôs, que se transformou em uma imagem abstrata. O conceito que norteou esta colagem, que depois se tornou a imagem de divulgação do filme, está articulada a abstração do óbvio do sexo, dos orgãos genitais, afim de alcançar experiência sensorial em que a sexualidade ainda esteja presente através das formas e da textura das imagens. Enfim, a proposta em “Como Melado Lambuza” é a transposição para a montagem, do ritmo sexual, indo do flerte e da sedução ao gozo. A profusão de imagens acompanhadas da música do Gotan Project é um convite ao espectador viajar na sedução e na poesia crua que essas imagens sexuais podem sugerir.

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4. Como realizou este trabalho? Verba publica, privada, que equipamentos usou?
“Como Melado Lambuza” foi realizado ao longo de 4 meses. Nesse projeto, o foco é a edição. Então, decidi utilizar imagens de trailers de filmes pornôs disponíveis para download na internet e cenas eróticas de filmes como A Concepção, de José Eduardo Belmonte, e Nove Canções, de Michael Winterbottom. Portanto, a única imagem que eu filmei foi o primeiro plano, o de um olho se abrindo. O restante do trabalho se resume basicamente na edição. Como não sabia editar até então, tive que aprender a usar a plataforma e os efeitos afim de materializar os conceitos deste projeto. A verba que empreguei foi basicamente minha vontade de fazer e gastos com mídias e melhoramentos para meu PC rodar os softwares de edição. Por se ter realizado todas as funções sozinho também ajudou a não ter gastos com equipe.

5. Seu vídeo está em uma mostra onde parte da renda vem do apoio de pessoas que gostam da ideia. Você acredita que essas novas ferramentas de financiamento baseadas na internet (Crouwdfunding) podem contribuir para o seu trabalho? Isso tem te ajudado diretamente?
A idéia do financiamento coletivo é algo estremamente interessante, porque ela está imbuida do espírito colaborativo que é inerente ao funcionamento da internet. Além disso, a mobilização em prol do interesse comum, de apostar nas idéias do outro, da própria crença em ideiais, cada vez mais rarefeitos no turbilhão de informações que recebemos todos os dias, é super saudável em uma sociedade em que a valorização do culto à individualidade é preponderante.

6. Qual a sua opinião sobre produzir filme no Brasil e aquilo que tem sido produzido?
O Brasil está na sua melhor fase de produção audiovisual, seja pela quantidade de filmes produzidos ou pela quantidade de espectadores que os filmes brasileiros têm feito. Por outro lado, estamos com uma legislação que regulamenta o mercado mais consolidada do que antes. Hoje temos formas de financiamentos mais ágeis, mais adequados ao mercado como o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que tem contribuido para a produção de filmes com possibilidades de retorno para os investidores. Isso é legal porque o bom desempenho de um filme ajuda o cinema nacional como um todo, viabilizando também recursos para filmes mais autorais. O resultado é positivo para toda a cadeia da produção audivisual, favorecendo a produção, distribuição e comercialização de filmes autorais de novos diretores, filmes de diretores já conhecidos, e filmes de produtores, com um foco mais comercial. Essa diversificação na produção reflete também na amplitude de possibilidades estéticas e narrativas dos filmes produzidos no país, nos últimos anos.

7. Gostariamos de saber mais detalhes sobre o seu roteiro.
Não houve um roteiro prévio. A narrativa foi surgindo à medida que editava as cenas escolhidas. Isso foi interessante porque se tratava de um projeto experimental que me possibilitou liberdade para descobrir com o tempo que a história que queria contar começa a partir de um olhar, primeiro contato com o desejo, e vai até o coito, ou o gozo propriamente dito. Isso tudo de maneira abstrata, mais sensorial através do ritmo da montagem, das cores e dos movimentos de corpos fragmentados.

8. O que pretende com este vídeo?
Na verdade, não tinha maiores pretensões com esse video a não ser o exercício proposto pela disciplina. Entretanto, depois do filme pronto, gostei do resultado e acabei enviando para alguns festivais. Foi muito legal quando tive respostas positivas e o filme foi exibido em festivais com temáticas experimentais ou sexuais e até em festivais de videoarte em cidades como Paris, Buenos Aires, e Camaguey (Cuba).

9. Quais suas influêcias?
Nesse projeto, as influências mais diretas foram o filme “9 Canções” de Michael Winterbottom e “A Concepção” de José Eduardo Belmonte. O primeiro filme me chamou atenção pela ousadia da narração de um drama através de sexo e música, enquanto o segundo, me interessou mais pela proposta de montagem moderna e ágil do Paulo Sacramento. Entretantanto, poderia citar inúmeros filmes que indiretamente contribuiram para a pesquisa desse projeto, mas prefiro me reter a esses dois. Outra contribuição importantíssima, foi o trabalho de um amigo artista plástico, Tiago Gualberto, que fez uma videoarte com espelhamentos e efeito de caleidoscopia com videos pornôs.

10. Onde encontrar outros trabalhos?
Dirigi mais dois curtas, um documentário e outro ficção. Quem quiser maiores informações sobre eles, podem entrar em contato comigo. Um deles está disponível no You Tube, e se chama “Moda em Pedaços”.

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